O Porteiro
Magaly Andriotti Fernandes
Ele
chega pontualmente às 5h55min. Fala alto, não se apercebe que sua voz pode
acordar os condôminos, logo ele tão cuidadoso. Fala grosso e o som se propaga.
Fica ali sentado, atende ao interfone, abre e fecha o portão dos carros e a
porta dos pedestres. Não é de muita fala, bom observador, conhece a vida de
todos. Só reproduz, uma história, um fato, se alguém lhe interroga. Por si só,
não relata e não inventa nada, não gosta de fofocas. Preciso. Observa todos como uma águia. Seus olhos
escondem-se por trás de um grande bigode, bigode denso e escuro, olhos de bom
observador. Foi contratado nos primeiros dias após a inauguração da construção.
Já há muito tempo poderia ter se aposentado. Chegou aqui com outros dez anos de
portaria. O prédio onde trabalhava anteriormente era bem pequeno, não gostava
de lá e o salário era bem menor. Nesse, são 480 apartamentos, duas portarias. Ele
fica sempre na mesma, argumenta que assim é melhor para segurança. Não aceita
trocar. Trabalha no turno da manhã, e raramente cobre a folga de algum colega.
Não gosta de falar de si. Faltar ao trabalho, inverno e verão, não importa,
segue seu cotidiano. Faltou só quando a mãe faleceu. Tem que sair de casa as 4
horas da madrugada para chegar no horário. Não suporta pensar em chegar
atrasado. É um homem de mais de sessenta anos, saudável, forte, peso adequado
ao seu biótipo, calvo.
Desde o início de agosto anda cabisbaixo, pensativo: - quarenta anos, quarenta anos e todos os dias a
mesma rotina. Acorda, faz sua higiene, toma uma xicara de café preto, reflete,
não suporta leite, ovos mexidos, hoje, não vai comer. Alimenta seu canário, ele
é tudo o que tem de bom e perfeito, o deixa na área de serviço e sai. Por vezes
pensa em levá-lo consigo. Isso o distrairia, não varia bem seu trabalho e por
isso o deixa, ali solitário. O ônibus fica há três quadras. O motorista e o
cobrador, já conheceu muitos. Até a linha do ônibus não é mais a mesma. Agora
ele, ele não, sempre fazendo aquele mesmo percurso, indo para o mesmo destino. Outro
dia aquela vizinha, a primeira a ocupar o apartamento do bloco Y, no décimo
andar, lhe perguntou: - tu quem és? Quando trocaram o porteiro e eu nem sabia? Imagina,
sempre a cumprimentou. Quantas vez já interfonou avisando que chegara alguma
encomenda, ela mesmo recebeu de suas mãos, fazia algum comentário sobre
política. Ele que se preocupava em não deixar nenhum estranho entrar. Em zelar
pela segurança de todos. O que essas
pessoas pensavam sobre ele? E aquela menina desaforada do bloco G, que chegava
gritando, dizendo palavrões, ele aceitava quieto, calado, não fez nunca queixa
aos país.
O que fez de sua vida! Não casou, cuidou da mãe até três
anos passados, quando um câncer a levou. Esse mês completa aniversário de
falecimento. Os irmãos nunca cuidaram dela, e não lhe agradeceram por ter
dedicado seus dias a cuidá-la. Chega em
casa, faz o almoço, lava roupa e vai ler. Não gosta de televisão, gosta sim de
uma boa série policial. Isso também lhe incomoda muito. Essa semana mesmo, terminou sua serie
preferida, Luther. Isso não é correto,
esses diretores deveriam fazer séries que não tivessem fim. Não é certo deixar
o espectador assim desamparado.
A manhã ali naquele prédio é relativamente tranquila. As
pessoas, em sua maioria saem para o trabalho. Essa semana tinha o velório do
senhor do bloco H. Um homem de setenta anos, bom papo, um enfarto e pronto.
Observa que agora residem mais idosos, o número de pessoas ficando pelos bancos
a tomar chimarrão é significativo. E ele, quando irá poder ficar assim parado,
vendo a vida passar. Bobagem a sua, já tem feito isso. O que é ser porteiro? O
que fez para mudar o mundo? Os moradores nem percebem quando ele está mais
triste, ou mais alegre. Também sempre
cuidou para não mudar seu comportamento, solicito, gentil, aplicado,
escrupuloso e prestativo. Tem aqueles mal-educados, e ele ali firme, correto.
Naquela segunda feira, um tal fala-fala, onde estaria o
porteiro? Não telefonou avisando que não viria, na terça e na quarta a mesma
coisa. O sindico achou melhor pedir ao zelador para ir visitá-lo e saber o que
estava acontecendo. No apartamento, um cheiro estranho, escuta-se o canário
cantando intensamente. Toca a campainha e nada. Pergunta aos vizinhos e ninguém
sabe dele. Não tem familiares na cidade. Liga para o irmão, único telefone que
registrado em sua ficha funcional. Nada sabe, autoriza ligar para os bombeiros
e abrirem a porta. Lá está ele, corpo inerte, azulado, com o uniforme,
pendurado em uma corda.
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