O Silêncio
Magaly A Fernandes
Ficar em silêncio nos dias de hoje parece uma difícil
tarefa. Fiz um retiro de silencio por oito dias. Quando pensei no tempo,
imaginei que não conseguiria. Eu sou uma pessoa que falo pelos cotovelos. Fui
em busca de lugares onde se pudesse fazer o retiro. Encontrei diversas
possibilidades, e escolhi um primeiro onde eu pudesse dispor de meu corpo da
forma que bem entendesse. Digo isso pois
se escolhesse um retiro budista as posições de yoga se fazem necessárias, as
restrições alimentares também.
Já nessa busca muitas descobertas fiz de mim mesma. Estou
disposta a emagrecer, mas não dispostas a mexer em determinados hábitos
alimentares, por exemplo o consumo de carne. Meu corpo tem assumido posições
nem sempre flexíveis. E ai outra sinalização para mudanças que se fazem
necessárias, na busca do silencio.
Escolhi um pelo critério beleza do local, e possibilidade de
ficar em silencio onde eu quisesse dentro daquele espaço. Nem me dei conta que
era um Retiro Inaciano. Uma surpresa muito significativa. Santo Inácio foi um
revolucionário, um inovador dentro da igreja católica. Eu fui batizada e
crismada, mas na adolescência e início da idade adulta me rebelei contra a
igreja e seus dogmas. Quando se pensa que a escolha foi ao acaso, não foi.
Nossas perguntas internas vão nos levando para determinados caminhos. E lá
estava eu lendo a Bíblia, refletindo com os Exercícios Espirituais, renovando
minha fé em Deus e não na igreja. Que essa e para mim uma instituição falida.
Criei uma dupla dificuldade ficar em silencio e ler a Bíblia.
A orientação do padre jesuíta que nos acompanhava ia levando
para um encontro com si mesmo e com esse grande mistério que é Deus. Lendo
Jung, e fazendo um paralelo com nossas vidas, fiquei pensando que eu não tive
muitos conflitos com Deus, o aceitei de cara, desde muito pequena. A religião
talvez por ter iniciado estudar em colégios católicos, e minha família ter
feito essa escolha por mim já me deu uma direção. Busquei conhecimento sobre
outras religiões, mas na realidade para mim existe uma dissociação entre
espiritualidade e religião.
Ao me revoltar contra a igreja, fiz algo que me impediu de
desenvolver minha espiritualidade, não aprofundei meu conhecimento sobre as
demais religiões. Ocupei minha leitura, minhas buscas com temas afetos a
ciência. Como se uma e outra nada tivessem haver, campos opostos e cindidos.
E lá sem falar com minha família, amigos num diálogo
interno, revendo conceitos, fazendo um novo percurso nos meus conhecimentos
religiosos e pessoais. Sobre minhas relações pessoais, sobre vínculos, sobre
amores e ódios, sobre resoluções. O silêncio, nos faz isso, ouvir a própria
alma. Ficar ali diante do mar ou diante da lagoa, o lugar que escolhi tinha uma
proximidade ao mar e a lagoa. O que essa visão nos remete, ao nosso grande
nada. A nossa riqueza, o nosso poder de sermos insignificantes diante da
magnitude da natureza, e quando não o reconhecemos querendo nos igualar a ela,
a destruímos. A importância de vivermos em consonância como a fauna e flora,
com o clima. Nossas casas hoje estão tão distantes dessa proximidade. Eu por
exemplo moro no nono andar. Quando falta luz, mais de um dia fico sem água
também. Nós vivemos sem nos dar conta de
que luz e agua são dinâmicas, são produzidas (para chegarem em nossa torneira e
na nossa lâmpada). E a forma de explorarmos a natureza, a faz se esgotar. Como
viver diferente, como utilizar esses recursos, sem violenta-los?
O silencio nos dá a dimensão de solidão e de plenitude. Estar só e algo muito momentâneo, pois
vivemos num mundo povoado por uma diversidade de seres. La ficava eu, ouvindo os pássaros, tinha
horas que pensava, assim não vou escutar minha alma, estou me distraindo. Eles
cantam tanto, ficava pensando o que será que dizem uns para os outros. Voam
parece que brincam um com o outro, namoram. As gralhas azuis, linda demais. Não
lembro te já ter visto esse pássaro assim tão de perto como as vi ali. Outra
descoberta, observar os pássaros e os demais animais é uma característica
pessoal. Os bem-te-vis, as corruíras, as curicacas, os beija-flores e muitos
outros que me ajudaram viajar nesse mistério que é a interação. O som das ondas
do mar, diferente da lagoa onde as aguas são paradas. A cor do mar para o
esverdeado, e da lagoa amarelada e translucida. A mata ao redor, as pedras, as
pedras também falam e nos ajudam nesse percurso de busca de si.
Eu pensando que ali sem internet, sem radio, sem televisão,
é mais fácil ficar em silencio. Sim ajuda muito, mas precisamos deixar o mundo
lá fora para mergulhar fundo, para olhar esses recursos naturais que existem em
nos. Como comemos, como respiramos, como dormimos, como caminhamos, como amamos
e ai vai uma série de questionamentos.
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