segunda-feira, 7 de agosto de 2017

                                                                             O Silêncio

                                                                                                                    Magaly A Fernandes

Ficar em silêncio nos dias de hoje parece uma difícil tarefa. Fiz um retiro de silencio por oito dias. Quando pensei no tempo, imaginei que não conseguiria. Eu sou uma pessoa que falo pelos cotovelos. Fui em busca de lugares onde se pudesse fazer o retiro. Encontrei diversas possibilidades, e escolhi um primeiro onde eu pudesse dispor de meu corpo da forma que bem entendesse.  Digo isso pois se escolhesse um retiro budista as posições de yoga se fazem necessárias, as restrições alimentares também.
Já nessa busca muitas descobertas fiz de mim mesma. Estou disposta a emagrecer, mas não dispostas a mexer em determinados hábitos alimentares, por exemplo o consumo de carne. Meu corpo tem assumido posições nem sempre flexíveis. E ai outra sinalização para mudanças que se fazem necessárias, na busca do silencio.
Escolhi um pelo critério beleza do local, e possibilidade de ficar em silencio onde eu quisesse dentro daquele espaço. Nem me dei conta que era um Retiro Inaciano. Uma surpresa muito significativa. Santo Inácio foi um revolucionário, um inovador dentro da igreja católica. Eu fui batizada e crismada, mas na adolescência e início da idade adulta me rebelei contra a igreja e seus dogmas. Quando se pensa que a escolha foi ao acaso, não foi. Nossas perguntas internas vão nos levando para determinados caminhos. E lá estava eu lendo a Bíblia, refletindo com os Exercícios Espirituais, renovando minha fé em Deus e não na igreja. Que essa e para mim uma instituição falida. Criei uma dupla dificuldade ficar em silencio e ler a Bíblia.
A orientação do padre jesuíta que nos acompanhava ia levando para um encontro com si mesmo e com esse grande mistério que é Deus. Lendo Jung, e fazendo um paralelo com nossas vidas, fiquei pensando que eu não tive muitos conflitos com Deus, o aceitei de cara, desde muito pequena. A religião talvez por ter iniciado estudar em colégios católicos, e minha família ter feito essa escolha por mim já me deu uma direção. Busquei conhecimento sobre outras religiões, mas na realidade para mim existe uma dissociação entre espiritualidade e religião.
Ao me revoltar contra a igreja, fiz algo que me impediu de desenvolver minha espiritualidade, não aprofundei meu conhecimento sobre as demais religiões. Ocupei minha leitura, minhas buscas com temas afetos a ciência. Como se uma e outra nada tivessem haver, campos opostos e cindidos.
E lá sem falar com minha família, amigos num diálogo interno, revendo conceitos, fazendo um novo percurso nos meus conhecimentos religiosos e pessoais. Sobre minhas relações pessoais, sobre vínculos, sobre amores e ódios, sobre resoluções. O silêncio, nos faz isso, ouvir a própria alma. Ficar ali diante do mar ou diante da lagoa, o lugar que escolhi tinha uma proximidade ao mar e a lagoa. O que essa visão nos remete, ao nosso grande nada. A nossa riqueza, o nosso poder de sermos insignificantes diante da magnitude da natureza, e quando não o reconhecemos querendo nos igualar a ela, a destruímos. A importância de vivermos em consonância como a fauna e flora, com o clima. Nossas casas hoje estão tão distantes dessa proximidade. Eu por exemplo moro no nono andar. Quando falta luz, mais de um dia fico sem água também.  Nós vivemos sem nos dar conta de que luz e agua são dinâmicas, são produzidas (para chegarem em nossa torneira e na nossa lâmpada). E a forma de explorarmos a natureza, a faz se esgotar. Como viver diferente, como utilizar esses recursos, sem violenta-los?
O silencio nos dá a dimensão de solidão e de plenitude.  Estar só e algo muito momentâneo, pois vivemos num mundo povoado por uma diversidade de seres.  La ficava eu, ouvindo os pássaros, tinha horas que pensava, assim não vou escutar minha alma, estou me distraindo. Eles cantam tanto, ficava pensando o que será que dizem uns para os outros. Voam parece que brincam um com o outro, namoram. As gralhas azuis, linda demais. Não lembro te já ter visto esse pássaro assim tão de perto como as vi ali. Outra descoberta, observar os pássaros e os demais animais é uma característica pessoal. Os bem-te-vis, as corruíras, as curicacas, os beija-flores e muitos outros que me ajudaram viajar nesse mistério que é a interação. O som das ondas do mar, diferente da lagoa onde as aguas são paradas. A cor do mar para o esverdeado, e da lagoa amarelada e translucida. A mata ao redor, as pedras, as pedras também falam e nos ajudam nesse percurso de busca de si.
Eu pensando que ali sem internet, sem radio, sem televisão, é mais fácil ficar em silencio. Sim ajuda muito, mas precisamos deixar o mundo lá fora para mergulhar fundo, para olhar esses recursos naturais que existem em nos. Como comemos, como respiramos, como dormimos, como caminhamos, como amamos e ai vai uma série de questionamentos.




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