sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017



Tenho alma de beija flor


                                                                                                         Magaly Andriotti Fernandes

            Falando com minha prima que mora em Campo Grande e vendo fotos de seu jardim que tem uma imensa diversidade de plantas, flores, frutas, me ocorreu a ideia que tenho alma de beija flor.
            Desde muito pequena sempre amei a natureza. Nasci num bairro de Porto Alegre arborizado. Minha casa ficava ao lado de uma pequena floresta. Na primeira fase de minha vida a curiosidade as vezes me fazia  cometer alguma maldades com os animais. Tirar as primeiras asas das joaninhas para observar se elas ainda assim voavam. Não voavam. Prender vagalumes nas caixas de fósforos para solta-los a noite em casa quando não tinha luz alguma ligada. Lindo demais. Eles talvez não gostassem.
            Com os pássaros, por um período, tinha uma funda e corria atrás deles tentando acerta-los. Ainda bem que minha pontaria era péssima. Cuidava do viveiro de pássaros raros de meu pai e um dia resolvi que eles não eram felizes ali e os soltei. Meu pai é que ficou bem triste, e o castigo certo.
            Os sapos penso eu foram os que mais sofreram em minhas mãos, por várias vezes tentei entender como funcionavam, abrindo-os , com a faca. Curiosidade que foi resolvida por aqueles anos, pois vindo a vida adulta nunca pude lidar com sangue, nunca me imaginei na medicina, fui para as ciências da saúde mental. Ouvir, escutar foi o sentido priorizado.
            Sempre fui uma boa observadora da natureza, no caminho que percorro vou descobrindo as arvores diferentes, pesquiso, descubro o nome. Não sossego enquanto não encontro. Flores então amo demais. A última que me surpreendeu foi a Abricó macaco, caminhando pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro, uma arvore com bolas enormes, e quando paro para olhar verifico que tem flores cor de rosa, de um perfume indescritível, e que beleza!  Pensa se eu fosse um beija flor, poderia estar lá em cima, bica-la, pousar e ali ficar apreciando, pura transcendência. Uma flor dessas me paralisa, me chama, me atrai, me deixa embasbacada.
            Fui fazer um retiro de silencio, nele precisava fazer exercícios espirituais, porem o lugar onde escolhi para me calar e ouvir meu mundo interno era lindo demais. Perdi-me na natureza. Os buganvílias cor de maravilha floridos, as Marias vão com as outras de corres diversas, as pitangueiras floridas, as gralhas azuis que comigo pareciam falar. Os saguis, as cotias, e os pássaros diversos que por lá voavam. Caminhar a beira mar, a beija da lagoa Peri, minha alma ficou leve e solta. Sol, mar e natureza eu era ali um beija flor, pequeno e ágil, de aqui para ali, absorvendo o néctar, os perfumes.
            Sonho com três beija flores brancos, com pequenos riscos pretos, congelados como se dormissem a pouca altura do solo. Chego perto, os toco levemente, eles voam e se transformam em luz. Acordo com o coração palpitando de alegria e paz e penso vou morrer. Deixo ali o que não mais me pertence e sigo.
            Porto Alegre , setembro 2016
           


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