A maternidade (1)
Magaly Andriotti Fernandes
No ritual de
final do ano, no tarô das deusas tirei a carta da maternidade. Meus filhos já
são adultos, já constituíram família, já sou avó, o que essa carta está me
fazendo refletir pensei.
Já há alguns
anos desde que meus filhos foram para a vida fora do lar que tenho tentado
sustentar a tese de que mãe tem limites. Que mãe não e para a toda vida. Não
por eles, que sempre foram muito autônomos. Agora eu, pareço uma permanente
pata choca.
Então tem algo
dessa função que eu preciso ainda aprender, me despedir quem sabe?
Eu sou uma
pessoa quase sempre do contra. Na adolescência quando a maioria da minha amigas
sonhava em casar e ter filhos. Eu levantava a tese de que esse mundo era
caótico demais para se ter filhos. Que era um ato de irresponsabilidade trazer
um novo ser a esse mundo.
Achei minha
alma gêmea e com ela passei a ter sonhos, e dentre eles o de ter nossa
família. E para nosso grande espanto,
pois não tinham muitos gêmeos na família que se soubesse, fiquei gravida de
gêmeos. Uma revolução em nossas vidas de
sonhadores. Minha onipotência nessa época era algo do tamanho de uma montanha
talvez. Eu trabalhava, fazia duas faculdades e ai a maternidade.
Com os filhos
passamos ai mais concretamente tentar mudar o mundo. Sem filho já estava
complicado e agora com dois ao mesmo tempo foi um grande desafio. Penso que sim mudamos nos enquanto casal,
enquanto pessoas; crescemos muito. Alguns sonhos aos poucos fomos abandonando pelo
caminho, construindo outros. Vou me deter só na maternidade, como se fosse
possível. Só fui a mãe que eu fui porque o pai de meus filhos esteve ali
cotidianamente comigo, conosco nessa construção.
Fui uma mãe
muito possessiva. Eu era uma leoa com suas crias. Quando o pai estava por perto
tudo era mais fácil, podia relaxar, caso contrário, não tocassem em meus
filhos.
Eu queria que
eles nascessem em casa, mas sendo gêmeos meu obstetra não aceitou, mas nasceram
de forma humanizada. Fizemos o curso de preparação para o parto normal. O parto em si, por ele eu teria muitos e
muitos filhos, momento muito intenso e emocionante. Eu que sou um poço de
controle, não me dei conta que seriam dois partos. Dois filhos, dois partos.
Não sabia que sofria de uma doença que meu útero depois de expulsar a criança
não voltava a contrair. Tive que induzir o segundo parto, o que por muitos anos
não me perdoei. Até que finalmente entendi que foi o melhor. Ai um dos
primeiros limites na maternidade, e as marcas do mundo se fazendo presentes.
E depois a
cada fase, a cada momento do crescimento de meus filhos foi um constante
aprendizado. Até hoje, agora aposentada, fico me interrogando porque a
sociedade não permite que possamos ficar com nossos filhos até os dois, três
anos sem trabalhar, que eles possam ir para a escola já quando estão querendo
se socializar, brincar com outros. Eu agora tenho todo tempo do mundo só para
mim. Tranquilamente poderia me aposentar mais tarde e ter ficado mais tempo com
eles. Fiquei o máximo que pude, me exonerei de um cargo público. Mas a cobrança
social e grande. E só a presença materna sem as condições financeiras, sociais,
econômicas e culturais não resolve. Então ser mãe requer, implica a nossa
inserção social. Vejo mães alucinadas, que não se dão conta que a vida é uma
permanente relação.
Eu sou muito
grata a minha mãe, que sempre esteve comigo. Eu era uma filha ingrata, deixei
meus filhos na creche por um período. Ela não entendia muito, achava que eu era
uma bruxa. Sempre firme, fizesse eu o que fizesse, ela não me abandonava, ali
firme e forte. Nos duas eu pensava éramos muito diferentes. Hummm
diferentes... nem tanto, hoje olho para
trás e me percebo em muitas coisas muito parecida com ela. Consegui educar meus
filhos sem tantas surras quantas apanhei. Eles levaram sim algumas palmadas,
fiz algumas intervenções mais duras que doeram em mim. Hoje consigo ver outras
possibilidades, mas naquela época não, os recursos emocionais que contava, eram
aqueles.
Ser psicóloga,
penso que muito me ajudou na maternidade. Eu lia muito, e no trabalho optei
pelo trabalho clinico com grupo de familiares. No decorrer da minha carreira
sempre lutei para que as mulheres que assim o quisessem pudessem realizar sua
maternidade da melhor forma. Com esse tema da maternidade no cárcere, fui agraciada
com duas viagens para conhecer o sistemas prisionais na Costa Rica, na América
Central e na Suécia, Holanda e Dinamarca. Minha maternidade me levou
longe…posso dizer. Ou as minha ideias sobre a maternidade.
Agora que
muitas vezes escuto meus filhos, tem períodos de seus desenvolvimentos que fico
pensando, gente como eu era louca. Como eu deixei eles aqui ou ali; com esta ou
aquela pessoa, numa busca incessante pelo novo. E como eu errei.
Ser mãe é ter
que rever, reviver conflitos que estavam lá o fundinho da nossa psique,
guardados, quietos. Não tem jeito eles vem à tona. E o bom, que vamos recriando outras formas de
vivencia-los, ou não. Eu penso que muitos consegui inovar. É um processo constante.
Porto Alegre
10 março 2017.
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