O andarilho do bairro
Magaly Andriotti Fernandes
Ao sair de
casa , com muita frequência, vejo um homem dos seus quase quarenta anos, se é que
dá para precisar sua idade, maltrapilho, caminhando, com sacolas nas mãos. Ele está
sempre sujo, muito sujo. Cabelos curtos e castanhos, isso também é uma incógnita,
pois seu cabelo tem sempre o mesmo tamanho. Seus traços faciais lembram um índio.
Ele caminha, caminha. Não o vi nunca parado ou sentado.
Ele tem um
olhar desfocado, apagado, e vai sempre em frente. Não o vejo em outros locais
da cidade, só aqui no bairro.
Fico
imaginando o que o levou a sair por ai, caminhando assim, a princípio sem rumo.
Nós que o vemos pensamos isso, mas quem sabe ele tenha uma rota imaginaria que
tem que cumprir, um percurso seu, só seu que tenha sentido e que o acalente.
O que ele leva
nas sacolas? Comida? Roupas? Não é possível ter pistas. Elas estão dias mais
cheias, outros dias mais vazias. Que vida é essa? Como viver assim ao relento.
Os dias que chove muito fico imaginando onde será que ele abrigado se é que
está? Um homem magro, muito magro, mas uma magreza que se mantem, assim como
seus cabelos. Algumas coisas nele não andam, não mudam.
Quando eu era
menina, e morava num bairro vizinho, tinha um homem que caminhava pelas ruas,
mas esse tinha o cabelo comprido, usava um terno de linho branco. Penso que
tinha casa, e caminhava durante o dia, pois estava sempre limpo. Um dia quando
vinha do mercado com o leite, no tarrinho, assim que comprava-se leite. Ele me parou,
pegou o tarro e tomou boa parte do conteúdo. E eu ali totalmente paralisada.
Quando ele me devolveu o tarro sai correndo, cai, me machuquei, e cheguei em
casa só choro.
Algumas pessoas,
aprendi no curso de psicologia, não conseguem viver em espaço fechado como uma
casa, um apartamento. Precisam desse espaço amplo, da rua, para viverem e se
significarem. Para aqueles que vivem nas suas casas, nos seus lares, essa vida
não faz sentido. Mas, tem, eles tem sentido, um sentido único e singular.
Hoje voltado
para casa o encontrei, e fiquei pensando o que fazer para ajudá-lo. Sim eu
penso que ele precisa de ajuda. Seu estado de sujeira, de atiramento, se cheiro
que sente-se ao longe. Pará-lo e oferecer para pagar um almoço? Ajuda-lo a
chegar a um serviço onde possa ser acolhido?
O problema
desses serviços que eles assim como eu quero, desejo coisas por ele e para ele.
Não vão aceitar que ele fique indo e vindo, que ele possa vir ali e tomar um
banho, coma algo. Que é a família dessa pessoa? Em que momento ele sai a peregrinar,
a trilhar as ruas do bairro infinitamente?
Não sei se ele
fala, nunca o ouvi, nem vi, falando com outra pessoa. Anda calado, não tenta
aproximar-se, não pede nada, só caminha.
Porto Alegre, 22 março 2017.
Muito bom!
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