terça-feira, 30 de agosto de 2016

RISCO E RABISCO:                                 AS PESSOAS MATAM  ...

RISCO E RABISCO:                                 AS PESSOAS MATAM  ...:                                 AS PESSOAS MATAM                                Eu tinha 23 anos quando pela primeira vez me dei conta qu...

                                AS PESSOAS MATAM

                               Eu tinha 23 anos quando pela primeira vez me dei conta que o ser humano tem a capacidade de matar outra pessoa. Eu era na época estagiaria de psicologia numa das maiores penitenciarias do Estado.
                               E ali me sentei para ouvir aquela pessoa privada da liberdade. Eu com meus ideais firmes e fortes da psicologia de ajudar ao outro. E aquele estranho homem botou-se a falar de si, do que o trazia ali, do que o mantinha por muitos anos preso. Ele um agricultor, um homem que adorava plantar, acordava cedo, saia para a lida do campo. Até que um dia seu vizinho, por questões de limite das terras chegaram as vias de fato. Ele puxou do facão e não mais ficou quieto para os desmandos do vizinho, que tinha colocado a cerca em suas terras, o impedindo de fazer uso da agua que ali, exatamente naquele pedaço de terra, e que lhe pertencia.  A raiva era muita, já tinha tentado conversar, já registrara ocorrência policial, mais de dez vezes, e nada tinha sido feito. Aquele dia sonhou com seu avô, um homem brabo, forte, que não levava desaforo para casa. Acordou pegou seu facão e foi para o campo.
                                               Agora passados dez anos, chora muito ainda, cotidianamente e pede perdão a Deus, por ter tirado a vida de seu vizinho. Como pude, se pergunta? Como pude tirar a vida de um pai de família, a que ponto cheguei. Podia ter me mudado, vendido aquela terra. Minha família ficou lá sem assistência, não convivo com meus filhos, a família dele também ficou desamparada. E o pior a situação não se resolveu, hoje nossos filhos se odeiam e o conflito com os limites da terra perduraram.
                                               Cheguei em casa destruída, chorava muito, e jurava nunca mais voltar para o estágio. Não conseguia aceitar que um ser humano pudesse matar o outro. Mesmo que hoje arrepende-se do feito.  Corri para meu analista, para supervisão.
                                               Naquele ano e nos outros vinte e nove que se seguiram, não só os homicídios, como muitos outros atos de crueldade povoaram minha escuta. Alguns diferentes desse não se arrependeram, fariam tudo de novo, hoje com mais requintes de crueldade. Muitos, mas muitos sim, refletiam, falavam sobre, achavam novas possibilidades de viver, de forma diferente daquela em que tornaram ato seus piores sentimentos. E pena que a sociedade ainda hoje pense que a prisão é solução para esses conflitos que resultam em morte, dano.
                                               Aprendi que o crime, é um ato humano, eminentemente humano. Que os animais, os leões, os tigres, e outros matam para a sobrevivência. O animal racional, humano, mata por prazer.
Porto Alegre, 03 maio 2016

Magaly Andriotti Fernandes

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