terça-feira, 27 de junho de 2017

                                                             Minha mãe para além da maternidade

                                                                                                                                                                                                                      Magaly Andriotti Fernandes
 
Minha mãe precisou morrer para que eu me desse conta que ela para além de minha mãe era uma mulher surpreendente.
Por volta de 2012 em busca da minha espiritualidade, e numa das vivencia a coordenadora pedia que nos imaginássemos como nossas mães, o que elas pensavam, o que elas gostavam de fazer, seus amores e outras questões. Trabalhávamos nossa ancestralidade, fazendo esse exercício com as avós e bisavós.
Até ali minha mãe, era apenas minha mãe. E eu já nessa época era avo. É muito chocante.
Dei-me conta que minha mãe era uma mulher, que era esposa do meu pai, mãe dos meus irmãos, tia, irmã, filha, e muito mais. E pensei que eu pouco sabia daquela mulher.
Minha mãe uma costureira, que aos oito anos já iniciou a trabalhar em casa de família. Família essa que ensinou a costura. Por um período modista, e depois resolveu trabalhar em casa, para cuidar dos filhos. Com esse fazer ela sustentou-nos e nos permitiu ingressar na universidade, algo que ela não deve chance. Ela estudou até a quarta série primária. Adorava ler, e para mim ela passou esse gosto. Durante minha infância lembro dela lendo a noite. Tinha muita dor de dente, e ela lia, lia, na tentativa de me fazer dormir e de que a dor parasse.
Quando eu nasci, conta a lenda, que ela queria um menino. E durante toda minha infância eu tive um comportamento assim como o de um menino. Sim porque meninas não deviam subir em arvores. Meu cabelo ela cortava bem curtinho, naquela época era moda um corte chamado “rapazinho”.  Eu tinha vestido, saia, mas a maior parte usava short. Não tinha “modos” ela dizia, não sentava direito.
Eu aqui já falando de mim. Eu sempre a via trabalhando. Passava noites em claro costurando. Nunca atrasou uma encomenda. Ela tinha muitas freguesas. Ela adorava costurar, fez muitos cursos para se aperfeiçoar, de corte de calças, blaiser, roupas intimas, fantasias. Ela bordava como ninguém. Fazia tricô, esse só para nos da família. Ela não gostava de cozinhar, mas o fazia quando necessário. Minha avó que morava conosco cozinhava.
Minha mãe não era a filha mais velha, mas sempre sustentou afetivamente sua família de origem e a constituída. Seus irmãos e irmãs quando precisavam de ajuda e para ela que pediam. Ela cuidava de todos mas não cuidava de si.
Ela amava meu pai. Nunca se viu falar mal dele, mesmo ele sendo um jogador compulsivo e colocando a perder as conquistas matérias do casal.  Através do olhar dela e de sua fala eu também era apaixonada pelo meu pai. Ele não era um mau homem, sempre trabalhou muito. E como ela também demonstrava prazer pelo que fazia. Faziam o que gostavam e faziam bem.
Minha mãe me ensinou cuidar da casa, dos filhos, do marido. Minha mãe me deu condições para que eu realizasse meus sonhos para além da família.
Na adolescência, e por um bom período eu queria tudo, menos ser parecida com ela. Imaginava que ela não gostava de mim.
Quando meus filhos nasceram eles foram para escola maternal. ´Para minha mãe eu era uma bruxa, porque não os deixava com ela. Aliás nos duas nunca nos entendemos muito, eu era muito diferente do que ela havia imaginado, porem ela sempre acreditou em mim.

Tarde descobri, mas para além de minha mãe, ela era uma mulher e uma pessoa incrível.

terça-feira, 20 de junho de 2017

RISCO E RABISCO: As árvores nos desvelam                           ...

RISCO E RABISCO: As árvores nos desvelam                           ...: As árvores nos desvelam                                                                                                      Magaly Andri...
As árvores nos desvelam
                                                                                                     Magaly Andriotti Fernandes
Da minha janela posso ver no mínimo três espécies diferentes de arvores e palmeiras. E dependendo da estação as cores das folhas e flores modificam a paisagem, é tudo muito mágico.
Sempre amei as arvores. Quando pequena minha casa ficava ao lado de um pequeno bosque cuidado pelas religiosas da escola onde fiz o primário. E eu brincava junto as raízes de uma frondosa paineira.  Passava quase que dia inteiro perdida naquele recanto.
Subir em arvores, na pereiras, nos cinamomos entre outras. Brincar com os amigos lá de cima, fazer guerras, que diferente das entre países que solucionávamos e terminávamos cada vez mais amigos.
As paineiras eram lugares de sonhos e de pesadelos. Minha mãe, que era muito brava, quando queria me repreender me ameaçava de amarrar junto aos espinhos da paineira. Já viste o tamanho dos espinhos dessa arvore. Aquilo me apavorava, pois minha mãe era uma mulher de palavra. O que fiz caso um dia ela resolvesse concretizar? Tirei um a um os espinhos da paineira mais próxima de casa. Sim das outras nem me preocupei, pois ela com certeza não iria longe.
E as pereiras, tinham muitas próximas a nossa casa. Pera maça, pera d’água, pera dura e ficar lá em cima esperando a turma que vinha brincar. Os galhos não são firme, muitas vezes a queda era livre. Sentar no alto, sentir a brisa, comer a pera ali mesmo, suculenta.
As nogueiras... enormes, na épocas das frutas aquele sucesso. Minhas primas e eu por várias vezes as comíamos verdes, dor de barriga na certa. O pai, a tia avisavam...e a pressa, o desejo...  aquele gosto.
Os coqueiros e seus frutos também muito disputados pelo grupo de amigos. Não só a poupa mas depois de secos, quebrar e comer a amêndoa. Minha mãe fazia rapadura com elas se conseguíssemos quebrar muitos.
Nas férias íamos para a fazenda onde um dos meus tios era capataz, e lá sim não faltavam arvores para se subir e brincar. As figueiras, deitar na sua sombra, ouvir as histórias de pescadores. Adormecer ali depois do almoço, acordar com aquela brisa do rio Jacuí.
Quando fico triste, saio a caminhar e abraço uma arvore. Se achar uma de galhos grossos e baixos, sento ali e fico.
Ano passado um temporal de vento, um furacão, seja lá que nome se dá a essa força da natureza, derrubou centena de arvores na minha cidade. E quando falo em  centena não é força de expressão, foram mais de quatrocentas . E não só arvores velhas, mas arvores novas. Não só derrubou como as torceu, galho a galho. O sentimento era de arraso, de profunda tristeza. E o pior de tudo e que as pessoas não entenderam a mensagem. O prefeito resolveu que não vai replantar todas essas arvores, mesmo no município tendo uma Lei que diz que a cada arvore cortada, arrancada de deve plantar duas outras.
E nas viagens por países diferentes que vamos descobrindo novas arvores é muito emocionante. Em Portugal me apaixonei pelas corticeiras, e a forma como eles colhem a cortiça. Pelas oliveiras, me abracei a uma de mais de mil anos.  Na Holanda quando me defrontei com o bosque, me reportei para os contos de fadas de Andersen e me pus a chorar, lindo demais.
Em Roma, ao descer do ônibus próximo ao Coliseu, aquelas arvores muito altas, Pinos domésticos, antigos, fortes. Estar em Roma, e naquela sombra...uhuu emoção, emoção.
Pelas estradas da Toscana os Ciprestes, as Oliveiras, as Amendoeiras... e muitas outras que eu não saberia nomear, uma viagem à parte.
Montevideo tem uma arvore para cada três habitantes, uma cidade para se caminhar, sentar nas praças e parques e curtir, respirar e apreciar os diferentes aromas. O umbuzeiro, esse seduz, engrandece. Ficar sob ele, encostada ou não, abraçada, só ali permanecer, rejuvenesce uns cem anos.
Os Jacarandás em Buenos Aires, floridos justificam um tango. Sair por aquelas praças assim enlaçada com um belo argentino a bailar.

Porto Alegre 04 fevereiro 2016.

Histórias que Pintam:  "As cinco direções de um corpo" é o novo livro e...

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