sexta-feira, 29 de julho de 2016

                                         BAILE VERDE BRANCO




                                                                                                                 Magaly Andriotti Fernandes
                Carnaval, como amava o carnaval. Era o  segundo baile de carnaval sem os pais. O pai a deixava no clube. Iam ela e a melhor amiga. E pela manhã as duas voltavam para casa, dançando, fazendo samba com os sapatos na mão.
               O baile verde e branco era muito especial, vinha gente de toda cidade. Ele acontecia no clube que Dafne era sócia,  era promovido de uma produtora de eventos.  A fantasia estava pronta desde outubro. Simples, short e camiseta customizada com lantejoulas.
                Foram as primeiras a chegar. Não compravam mesa, ficavam circulando pelo salão e dançavam a noite toda. Nessa época não bebiam cerveja, só guaraná. E muito pouco, pois dançavam muito. Sua irmã também lá estava, mas ia com o namorado e não ficavam juntas. A irmã tinha vergonha dela. Eram muito diferentes.
                Sua amiga conhecia muita gente, Dafne era tímida, de poucas palavras. Adorava pular carnaval. O salão era redondo, e ela fazia a volta nele mil vezes.  Numa dessas ouviu: - Dafne, oh Dafne…sou eu o Joseph. Ela olhou com espanto, não reconheceu seu colega de aula, ele estava com os cabelos bem curtos.  Joseph? O que houve com os teus cabelos? - Estou no quartel, vou servir. Humm Ele segurou na cintura dela e saíram a pular juntos
                Naquele momento veio em sua memória, as imagens dos dois na aula, ela o achava um gato. A boca dele, ela pensava em beija-lo. O sorriso, ele era muito humorado, e tinha um papo que a atraia. Ele estava sempre com as outras garotas. Dafne se percebia feia, gorda, mesmo tendo que comprar roupas em número menor que o seu tamanho para sua idade.
                Dafne sentia uns chutes, mas o clube estava cheio. Nem se deu conta, estava tão feliz ao lado de Joseph. Nunca pensara que ele pudesse querer dançar com ela. Sentia-se um patinho feio, agora um cisne.
                Joseph, contou que tinha terminado com sua namorada um pouco antes de encontrá-la. E ela que chutava os dois. Dafne, estava tão apaixonada que não achou nada de errado. Entregou-se ao momento e a paixão.
                A banda tocava: “Se você fosse sincera...oh oh...Aurora veja só que bom que era...oh oh Aurora” …quando ele a beijou pela primeira vez. Foram tantos beijos loucos, passaram a noite beijando. Dançavam um pouco, mas os beijos povoaram a noite. Ela estava amando tudo. Nunca tinha beijado, e ele beijava muito bem. Eles pouco falaram, dançaram e beijaram-se sob as escadas. Ali muitos outros casais também ficavam a beijar-se. Ele a levou até em casa. Ela foi com ele até a esquina. E assim ficaram, até que o pai dela, que saia para trabalhar cedo, a viu na esquina com o rapaz e a fez ir para casa. Sua amiga tinha ido na frente e quando chegou ela já dormia a sono solto.
`Porto Alegre, 29/07/2016
               



segunda-feira, 25 de julho de 2016

                                          O Vento guardado

                                                                                                                Magaly Andriotti Fernandes
               















              No dia anterior ventou muito, mas muito mesmo. Aquela ventania  que nos desassossega, nos desconcerta e nos assusta. Aqueles ventos que levam tudo o que vem em sua frente. Pela manhã, no café do hotel, um ruído forte, uma carranca despenca sobre a hospede, e escuta-se alguém que diz: deve ser vento guardado.
                Vento guardado? É possível assim o fazer. Quando se deixa copos, pratos fundos guardados e virados, será que no espaço vazio fica ali algum ar, ou fica o vento? Será que o vento ficou em alguma peça, em algum cantinho?
                O vento vem de onde? O que faz que dias lindos de sol, como do dia relatado, aconteçam com muito vento. Eles serão prenuncio das chuvas? Penso que não, pois ventou muito e não choveu nada. Penso eu que levam as nuvem de chuva para longe. Ruim para aqueles que ficam com as nuvem de chuva. Ou não pois a chuva sempre e benvinda para a plantação. Dizem alguns pesquisadores que lugares onde venta muito, o número de pessoas com epilepsia e significativo. A brisa é gostosa, nos refresca, nos relaxa e nos faz descansar. O vento quando muito forte, nos desorganiza, nos desconserta e nos agita. E sim dependendo onde estamos abrigados nos assusta e nos amedronta.
                Para o barco a vela, o vento é crucial, mas a ventania essa já e um complicador, pode leva-lo para mares onde andes nunca navegado.
                Minha avó adorava fazer pasteis de vento. Você já comeu pasteis de vento? São deliciosos.
                Próximo aos Cânions quando por lá venta, é assustador e mágico.  Ouve-se o som do vento por entre os Cânions, e um som forte, de muito movimento, o vento contorna e molda as pedras. O vento movimenta as taquareiras, que parecem assobiar. O som que produz e indescritível, uma música de abertura ou de ruptura.
                Imaginem guardarmos esse vento. Os moinhos existem com a força dos ventos. Atualmente a captação da energia eólica demonstra ser uma forma sustentável de aproveitamento da natureza em beneficio humano. Muitas sementes precisam dos ventos para germinarem. A roupa no varal precisa do vento para secar. Agora a ventania, essa que derruba arvores, que derruba casas, essa não conseguimos entender. 

                A carranca caiu, simplesmente caiu, por que o peso era maior que o suporte, porque estava ali naquele lugar a muito tempo, porque o vento do dia anterior a desestabilizou. Vento guardado, penso que não.

Porto alegre, 25 julho 2016

                              

               



                                                Ninguém pode sonhar por ti

                                             Ninguém pode sonhar por ti .Caminhando por Portugal, não lembro a cidade onde fotogravei essa frase, ninguém pode sonhar por ti.
                                                                                                                                                           
         E os sonhos que nos fazem realizar, eles são a nossa força motriz. Eles nos desacomodam, nos põe a pensar, nos desassossegam. E que aqui agora nessa cidade além do oceano Atlântico fazendo o caminho reverso dos colonizares do Brasil. Apreciando onde nosso ouro produziu tanto arte, tanta beleza. Por essas ruas estreitas, floridas algumas, casas antigas, um português diferente do nosso nas falas, o coração aos saltos, revendo posições e conceitos.  Fizemos tantas piadas sobre esse povo português, tão acolhedor e aconchegante. Sobre sua lógica de pensar concreta, muito diferente de nos. A vontade e por aqui me fixar e estabelecer. Resgatar as origens da família paterna.
         Eu a cada esquina, a cada dobrada de rua me apaixonou mais, o desejo de ficar vai se fixando. A ai difícil escolha, Lisboa, Porto, Cascais, Coimbra, Tomar, Óbidos, uma cidade mais encantadora que a outra. Imaginem que em duas cidades não existe mais escola maternal, fundamental. Sim, e sabem porque, não existem mais crianças, um pais de adultos e idosos. Algumas portuguesas ainda vestem o preto ad infinito quando ficam viúvas, e as vemos caminhando com suas roupas típicas, outras apenas para atrair os turistas para vender castanhas e outros alimentos típicos.
         A cidade do Porto, o encanto de almoçar na beira do rio, de ouvir a boa música, do artesanato, da técnica do azulejo português hoje aplicada em quadros, bijuterias. Das livraria seculares, dos café e dos castelos, esses cheios de mistérios.  E a minha paixão, as igrejas com seus órgãos. Estar caminhando e ouvir o sino chamando, anunciando a próxima missa, me seduz e me movimenta. Sentar e ouvir uma missa toda ao som da música sacra, do canto, minha alma voa e se eleva. Sou agora uma portuguesa com certeza.
         Pois , pois....ninguém pode sonhar por mim, e agora iniciar um novo projeto, uma nova viajem.
Magaly Andriotti Fernandes
22/04/2016



domingo, 17 de julho de 2016







Infância enclausurada


                Escrevendo e relembrando sobre as ruas da minha infância, num bairro da capital de Estado do RS, dei-me conta de como era livre, e como as ruas podiam ser trilhadas e desvendadas pelas crianças. As ruas eram territórios que pertenciam as crianças. Corríamos, jogávamos, subíamos em arvores. Organizávamos festas juninas, natalinas, era um espaço de puro convívio.
                O jogo de taco, curtido, um grupo de cada lado, as correrias, as gritarias, numa competição eterna entre moradores de ruas diversas. O jogo de bolitas e suas disputas. O jogo de amarelinha, o pular corta, o caçador, e as cantigas de roda que a todos encantavam. Até futebol eu jogava. As coleções de carteiras de cigarro, que guardávamos em caixas de sapatos vazias e fazíamos trocas. Eu tinha uma bem cuidada e bem completa. Brincadeiras que eram partilhadas por meninos e meninas. Ir para casa, só ao entardecer, para tomar banho, fazer os temas, alimentar-se e dormir.
                As árvores eram muitas e ficar sobre elas, fazer com taquaras, canudinhos para sobrar sementes uns nos outros, verdadeiras guerras vivíamos. Ficamos horas ali brincando num mundo totalmente imaginário. As raízes das arvores, particularmente das Paineiras, minhas preferidas, limpar e brincar de casinha, fazer comidinhas. Sozinha ou com amigas, eu as vezes esquecia da hora, minha mãe tinha que vir buscar-me.
                Roubar frutas no quintal dos vizinhos, que cultivavam uvas e bergamotas. Humm... ainda tenho em mim o gosto das jabuticabas. Eu como era a menor do grupo, subia nas árvores para apanhar as frutas. E quando alguém aparecia, quem era pega? Eu mesma, e lá me levavam para minha mãe de mãos dadas. A surra e o castigo era uma dupla certa, e que não me impedia de noutra semana repetir tudo novamente.
                Ir no armazém, buscar doce de leite a granel, buscar o pão francês de meio quilo para o café da tarde.              
                As noites fazíamos rodas no pátio de algum dos amigos e ficávamos ali a contar e a ouvir histórias de lobisomens, bruxas e outros contos terríficos. Quando era lá casa, meu avô materno, tinha historias onde sempre conhecia os personagens, tornando tudo mais assustador. O problema depois era dormir, pegar no sonho, com as lembranças do que ouvimos.
                A televisão foi surgir na minha casa já quando eu estava entrando na puberdade, e mesmo assim os horários para as crianças eram delimitados. Eram poucos os programas para minha faixa etária. Eu nunca deixava a rua pela televisão.
                Hoje não, vejo meus netos, que não saem na rua sozinhos. Uma criança não anda mais na rua sozinha, não vai no mercado, não vai para a escola. Caso brinque na rua, e no pátio, das poucas casas que ainda tem esse espaço, e de alguns edifícios que constroem playgrounds sempre tem a supervisão de algum adulto, e normalmente são espaços restritos. As criança, ficam enclausuradas em seus quartos e casas. Vivem um mundo virtual. Seus jogos são eletrônicos. A televisão passou a ser vista cotidianamente.  Existem muitos filmes e desenhos para todas as faixas etárias. Algumas famílias fazem da televisão uma baba eletrônica.
                Nas escolas encontramos muitas crianças obesas, hipertensas que eram doenças típicas de adultos mais para idosos.  As criança de hoje, recebem prescrição médica para natação e outras atividades físicas. Algumas que se recusam a ficar escravas dos brinquedos eletrônicas, são tachadas de hiperativas.  As ruas são vistas como perigosas. A raro ver uma criança que saiba subir em arvore, que saiba soltar uma pandorga, que saiba jogos de rua, que brinque de correr, de esconde –esconde.
                O mundo virtual tem muitas vantagens, a criança tem acesso a informações que não tínhamos na minha infância. A criança consegue viajar pelo mundo, ver animais, plantas, escutar seus sons, já não são tão crédula como éramos.
                A mim fica essa interrogação não estamos restringindo demais o corpo infantil, seus movimentos, sua inserção no espaço público? Como se dá aprendizagem quando não há uma integração entre corpo e mente?  Essa falta de rua, de convivência, de espaços lúdicos, vai produzir que tipo de adultos? É justo mantermos nossas crianças enclausuradas, sem esse contato com a natureza e com o público?

Magaly Andriotti Fernandes

Porto Alegre, 15 julho 2016

sexta-feira, 15 de julho de 2016

                                                           E a vida continua

                Chovia, as duas amigas sentadas num café, entre uma taça de champanhe e outra, a conversa corria solta.
- Tália, para quem eu vou olhar agora?
- Como assim, para os homens guria. Ou estas em dúvida disso?
- Não é isso, há vinte e cinco anos, não que não achasse um que outro homem bonito, eu amava Aristeu, tinha olhos só para ele, não me preocupava em olhar para outros. Quando tinha dezesseis anos, quando nos conhecemos eu o achava tudo, um deus grego. E agora?
- Eu penso que isso é natural. Quando pintar um clima vais sentir. E como andar de bicicleta, nunca se esquece. Logo vais estar namorando novamente.
- Penso que não.
                Uma pedaço de torta, um gole de champanhe, e Dafne fica ali, lembrando de seu grande amor, ah, como o tinha amado. Aqueles cachos, aquele sorriso, e as coxas…ele tinha coxas lindas, e os pelos no peito. Suspirava. Não se sabia se do prazer da torta com a champanhe, ou se das lembranças do amor perdido.
                Tália observava a amiga, e como nunca tinha casado, vivia de namoro em namoro, não estava conseguindo entender onde a amiga queria chegar.
 - Para de suspirar menina.  Vamos sair, vamos dançar, vamos ao teatro, ao cinema, e logo vais encontrar alguém que te atraia. Não te antecipes, dê tempo ao tempo.
- Dafne, eu não nasci para viver sozinha. Adoro ter alguém ao meu lado para dormir, adoro cozinhar pensando em quem vai comer, adoro jantar à luz de velas, passear de mãos dadas, e quando, quando vou poder novamente curtir tudo isso? Uma lagrima escorre. Ela rapidamente faz um brinde com a amiga, viva a vida de solteira e solta uma risada. Tinha decido não mais chorar por aquele ingrato.
                Em casa, ela entra na internet, resolve se inscrever num site de relacionamentos e inicia o chat.  Que nickname colocar?  Rosa da tarde, Flor do amanhã, Meg, em busca do amor, opta pelo primeiro e entra. Do outro lado, cavalheiro só, em busca do amor/H, solitário, ela logo passa a falar com o solitário. Descrevem-se, ele diz que é careca. Careca? Será que vou gostar de um careca? Bigode? Com muitos pelos? Alto? Baixo? Peso acima da média? Ela se irrita e vai dormir.
                No outro dia bem cedo, já mais calma retoma o diálogo, e pensa, não importa a aparência, mas quem é a pessoa, o que quer, o que busca da relação amorosa. Durante a noite tinha pensado no que queria agora. E pensou que no momento queria apenas namorar, não queria mais nada, nada sério. Queria transar sem compromisso, dançar e sair.
                Mudou o nickname: Embuscadoamor/M/40 e passou a falar com o, em busca do amor/H 41. - Oi, podemos teclar? - Você está onde? -  A na mesma cidade que eu. -O que buscas? --Amor, então somos dois. - Podemos sim. Onde? - No shopping, no café, que horas?
                E lá se foi ela para o seu primeiro encontro virtual. Tremendo de medo por dentro, mas arrumou-se toda, perfumou-se e foi. Ele já estava lá, observou pelo livro que ele trazia consigo e que estava sobre a mesa. Tinham colocado o livro como forma de se identificarem.
- Dafne?
-Salomão? Prazer
Olho no olho, ela pensou, um homem interessante.
- Estou divorciado há cinco anos e tu?
A conversa foi rápida, resolveram sair para um lugar mais reservado. Transaram. Ele a fez ir nas nuvens. Ela deslumbrada, pesando que não tinha sentido aquele prazer até hoje.
Chegando em casa ligou logo para Tália, e contou o que lhe aconteceu.
- Você está doida amiga? Saindo assim com o cara, sem nem conhecer direito? Usou preservativo?
- Tália, é claro que sim, foi tudo de bom, escuta amiga, não fica ai com essa negatividade.
- Negatividade? Você não está há dois meses divorciada e já se joga assim nos braços do primeiro desconhecido? Isso deve ser resultado da depressão, só pode. Dafne, você tem que se cuidar.
                Dafne pensou consigo, esses anos todos de analise devem ter servido para algo, porque me colocaria em risco? Não, não me coloquei em risco, me permiti viver o momento. Tália sim, é uma pessoa amedrontada, tem medo até da sombra dela. Eu não viverei sem transar só por que estou só.


Magaly Andriotti Fernandes
Porto alegre 5 junho 2016


Lygama desnanfer


Magaly Andriotti Fernandes
                Ele morava com uma família árabe desde os seus doze anos. Ali todos eram confeiteiros. Desde que chegou seu sonho era ser um deles. Adorava ficar olhando a mistura das massas, a quebra dos ovos, o som da batedeira, os cheiros e os sabores, a feitura dos doces. Aquilo tudo era muito diferente do mundo em que vivia. Seu pai que era oleiro, do barro fazia telhas e tijolos. Pequenino sentado tomando mate com a mãe olhava a agua sendo acrescida ao barro, o movimento das pás, depois indo para o forno, e o tijolo quentinho, o cheiro da terra. Seu pai morreu e ele não conseguiu ficar com a mãe que logo se casou, fugiu de casa e encontrou essa família que o acolheu.
            Queria aprender a fazer doces, entre doces e tijolos, os doces o fascinavam.  Samira, sua mãe adotiva, o deixava brincar com as massas, fazer bonecos, sentir a textura e o gosto. O pai cauteloso, ele não sendo um árabe não poderia aprender os doces típicos.  João era teimoso e curioso, continuava a observar. Num turno estudava e no outro corria para a confeitaria olhar   a produção dos doces.  Salgados não eram feitos. Balas, bolos, doces pequenos, ele amava todos mas o seus preferidos eram o Namura e o Baqlawa; o primeiro pelo sabor do limão e o segundo pelo sabor de mel resultado da mistura da manteiga quente com calda. Depois geladinhos vindo a boca, o gosto das nozes para finalizar, puro extase.
            Na escola era muito descontraído, fez amigos logo e resolveu aprender a língua árabe. Os amigos o perguntavam o porquê do árabe, mas ele não era de muitas palavras e de muito explicar. Em casa pouco falavam em árabe, mas os livros de receita, esses eram todos em árabe. Ele sabia disso e precisava desvenda-los.
            Um dia ao chegar em casa foi falando:"marhabban babaan alan "
 astatie an tataeallan lijael alhulwaa ".  Ou seja “oi papai, agora já posso aprender a fazer doces?  Said boquiaberto, pensou que esse rapaz e muito inteligente e dedicado então dize: - não você não pode não.  Fico feliz que aprendeu a falar a nossa língua, mostra que és um jovem muito capaz, mas isso não faz  te ti um árabe.
            João muito triste, foi para seu quarto e de tanto pensar, dormiu e sonhou. Sonhou que Said o ensinava fazer um doce, de farinha sêmola, com claras em neve, com recheio de amêndoas. O doce parecia um ninho. Era bem fininha a massa.Ao acordar pensou, ai está a solução, vou inventar um doce, a receita será minha, e ele então não terá como se recusar a ensinar todas as suas receitas.
            E o tempo passou, ele com a ajuda da mãe foi experimentando vários ingredientes, até que um dia o seu famoso doce saiu. O pai comeu e ficou maravilhado, foi um sucesso. Na confeitaria todos vinham em busca do “Lygama desnanfer”. O doce que lhe abriu as páginas do livro de receitas do pai.




Porto Alegre, 18 junho 2016.


                                                             


A menina cientista   


             Era sábado, janeiro, o sol já despontando envergonhado prometendo um dia bem quente. Ela sai da cama quase correndo, coloca o shorts a blusinha e já na porta com um pão na mão quando ouve a mãe:
- Já deu comida para as galinhas? Já varreu o pátio? Vai aonde assim com tanta presa?
- Puxa mãe, não pode ser depois não? Combinei com os guris de irmos pegar sapo, tem que ser cedo, depois não se encontra mais.
- Não mesmo, como as galinhas vão esperar para se alimentar? E o pátio vai ficar ai todo sujo? Eu tenho freguesa que vem pela manhã experimentar roupa. Vai Dafne, toma teu café e vai fazer o teu dever depois tens o dia todo para brincar.
E lá se foi ela cabisbaixa. Iniciou pelas galinhas, limpou os bebedouros, trocou o milho, ainda bem que o pai já tinha quebrado o milho e misturado a ração.
O pátio, esse demorava mais, foi colocando os ossos que o Tupi roeu, de lado, queria vender, os ossos e os vidros quebrados, o ferro velho pagava bem e ela poderia comprar doce de leite a granel. Ainda bem que não tinha vento, conseguiu varrer rapidinho.
Saiu correndo e encontrou o pessoal já na beira do arroio. Tinha levado um vidro para tentar pegar um sapo, queria um bem grande.
- Olá Dafne, por que não veio antes? O André já conseguiu pegar um olha lá, que grandão.
- Dafne nem respondeu e foi olhar. Encaminhou-se para a beira do arroio, cheio de pedras, e colocou seu vidro sem tampa de forma estratégica. Sentou e ficou cuidando. Um silencio só.
Ficaram por ali umas duas horas quando só mais dois conseguiram pegar os sapos. Um não queria abrir o sapo, queria guarda-lo, ia colocar dentro do vaso sanitário em casa, queria assustar a tia que estava de visita. Todo mundo ficou rindo.  Dafne, não ela queria abri-lo.
Vamos lá, precisamos de um lugar claro e limpo. Pegaram uma tabua, passaram na agua, e foram para uma soleira no meio da arvores.  Um dos meninos tinha canivete, e quem ia ter coragem de abrir o pobre bichinho. 
Dafne falou: - é para uma causa nobre. No laboratório na escola a professora faz isso, com peixe, com galinha, assim podemos saber como eles funcionam.  
José falou: - mas não temos livro algum aqui, como vamos identificar o que é cada parte.
Dafne já estava irritada. E sabia que a mãe não deixaria a Enciclopédia sair de dentro de casa por nada - Vamos abrir olhar e pronto. Depois a gente lê e identifica.
Ela já estava segurando o sapo que fazia tentativas de fugir, e abriu. 
Um dos meninos gritou, - tu é louca Dafne, pegar o sapo assim na mão, tu vais ficar com cobreiro, vê se não coloca a mão nos olhos pois vai ficar cega.
- Dafne deu uma risada solta e gostosa, tu é mesmo burro não? Ele solta um liquido só quando outro animal o morde. Foi tirando as partes que se mostraram inteiras, mas não sabia dizer o que era. Lavou as mãos no arroio e correu para casa.  Abriu a enciclopédia Delta Larousse e localizou a parte que falava dos sapos e ficou lendo deslumbrada.
A mãe achou estranho, ela ali em casa, e quieta, lendo.
- Dafne, estás com alguma dor? Estás bem? 
Dafne nem respondia, tal era a concentração. O pai estava no pátio treinando os galos de rinha. Ela saiu e foi assistir, e aproveitou para conversar com o pai sobre o que observará ao abrir o sapo. O pai ficou chateado. Dize que ela não deveria ter feito isso com o animal, mata-lo assim por curiosidade.
A mãe chamou-a para o banho. Ela jantou e foi dormir cedo. Estava triste por ter matado o sapo, mas feliz e fascinada com o que tinha aprendido. Como ia descobrir senão fizesse assim? 

http://www.carlaportugues.com.br/site/wp-content/uploads/2013/03/COUTO-Mia-O-Fio-das-missangas.pdf
No endereço eletronico acima podemos ler  No fio da miçanga de MIa Couto. Recomendo

Histórias que Pintam:  "As cinco direções de um corpo" é o novo livro e...

Histórias que Pintam:  "As cinco direções de um corpo" é o novo livro e... :  "As cinco direções de um corpo" é o novo ...