segunda-feira, 24 de julho de 2017

                       Caminhos, encontros: possibilidade de ir
  

                                                                                       Magaly Andriotti Fernandes
                                              Conviver em grupo é uma arte. Eu sempre me considerei uma pessoa antissocial. Não era muito tolerante as diferenças. Penso logo digo.
                                              Aos poucos os amigos foram me mostrando que estar junto, para conversar, para passear ou para simplesmente ficar em silencio era muito bom.  Olhar um pôr do sol, tomar um chimarrão, ver um filme, escutar uma música, declamar.
                                              E quando se pensa diferenças, não nos apercebemos que cada um é singular. Somos todos diferentes, uns mais, outros menos. E como viver se não aceitamos a forma especifica de cada um ser e estar no mundo?
                                              Falar do tema já é mais tranquilo e fácil, mas mudar extremamente difícil.  No primeiro semestre do ano passei dias na Itália, e fiquei chocada com o número de imigrantes vivendo naquele pais. Alguns sem emprego, vagando pelas ruas, pedindo esmolas, morando nas ruas. Outros foram por opção, conseguiram um lugar ao sol e se firmaram por lá. Saindo do mercado, do metro, de restaurantes nos encontramos com pessoas, com olhar triste e de fome. Nosso pais não é diferente, porem como nossos moradores de rua vem de outras cidades, são nossos concidadãos não nos chocamos tanto, banalizamos a miséria.  Essa vivencia me fez pensar o que nos faz ter medo do outro ser humano, não os queres pertencentes a nossa nação, a nossa cidade?
                                              E no trabalho, na vida social, quantas pessoas, eu particularmente não tenho simpatia. E se não tenho simpatia, não quero elas por perto. E com as que temos simpatia e escolhemos para o nosso convívio, tem dias que também se tornam cansativas e as queremos distantes. Somos dizem os sociólogos seres sociais, isso nos distingue dos outros animais.
                                              Conviver exige que caminhemos por dentro de caminhos internos, descobrindo nossas qualidades e defeitos. Conhecendo e reconhecendo limites e possibilidades. Quanto mais acolhemos nossa sombra, maior a capacidade de convívio.
                                              O mundo, o planeta é parte de um todo imenso que é o universo. E nos humanos uma partícula. Que movimentos são esses de expulsão e exclusão. Eu há muito tenho procurado emitir energia de inclusão e aproximação. Em cada lugar da terra, nascemos com determinadas singularidades de cor de pele, cor de olhos, cabelos, com uma língua, uma cultura. Cada povo tem seus valores. Essa é a nossa riqueza, somos todos humanos, mas muito singulares. Sou grata aos meus amigos por me ensinarem a viver e conviver com nossas diferenças.
                                              A música, a literatura, a poesia, a pintura e tantas outras manifestações artísticas e culturais são instrumentos de aproximação. Viajar implica em desbravar, não só os aspectos geográficas de um lugar, mas os históricos, culturais e econômicos.  Vamos perdendo, formas de ser e assimilando e aprendendo novas formas. O caminho nos transforma, e nos transformamos o caminho.
                                              Posso caminhar sem sair do lugar, ou posso voar alto, eu escolho.
Porto Alegre 24 julho 2017.

                                             



segunda-feira, 17 de julho de 2017

RISCO E RABISCO:                                         Amanhecer...

RISCO E RABISCO:
                                        Amanhecer...
:                                         Amanhecer em casa                                                                         ...

                                        Amanhecer em casa

                                                                                                   Magaly Andriotti Fernandes 

Depois de passar setenta dias na Itália, indo de cidade em cidade, chegar, sentar a poeira é um pouco difícil. Passei um ano programando meu retorno para estudar italiano, a língua e a cultura. Decidir quais cursos, quais cidades diante de um pais com belezas tão singulares.
Os primeiros trintas dias minha base foi em Casalbordino, no Curso Scuola Nova Arcadia. Morei com uma brasileira de São Paulo, e uma  argentina de Mar del. Prata, na via Fontana número 5. Uma cidade pequena, com mais ou menos 4 mil habitantes. Cidade medieval, onde a agricultura, a fabricação de vinho e óleo de oliva é prioridade.
O sol esteve comigo quase todos os dias do percurso. Aqui na região de Abruzzo viajamos por Vasto, Pescara, Chieti, Ortona, Agneno entre outras. Castelos, agro turismo, até fazer pasta na chitarra um instrumento do medievo eu fiz. O sino da igreja toca a cada quinze minutos. Sempre que nasce alguém ele toca, sempre que morre alguém ele toca. Em abril tocou quinze vezes por morte. Uma cidade de anciãos. Na missa conversei com uma senhora de 103 anos que mora sozinha, ativa e com projetos.
                Casalbordino é uma cidade acolhedora, com alimentos saudáveis a bom preço, uma dieta mediterrânea. Peixe fresco comprado de uma pescadora de 72 anos. Uma mulher feliz com sua relação com o mar.
                O canto lírico, a história da língua italiana, Dante Alighieri e outros, a cada igreja muitos afrescos. Em minhas fotos estou sempre sorrindo...sim eu me sentia literalmente viajando, uma viagem espacial, transcendental, imersa na cultura
                Escolhi a Itália pois meus bisavós maternos de lá vieram, da região de Veneto, que deixei para visitar numa próxima ida. Fui a Veneza pela segunda vez e o choro compulsivo uma presença obrigatória. A praça de San Marcos para mim é um lugar sagrado.
                Estive em Alberobello e em Polignano ao Mare. O primeiro terra dos trullis, casa pequenas feitas de pedra sem cimento, pura magia. Onde se come uma das melhores sobremesas: “teta de la mama”.  E a segunda, mar e rochas, um contraste sem palavras. Nela tem a estátua do escritor da musica Volare, tão conhecida por nós brasileiros. Êxtase, era assim que me senti nesses lugares. A estrada toda florida pela plantação de damasco e cerejas.
                Outros trinta dias em San Severino Marche, minha escola do coração, a cada ano estão melhores, professores apaixonados pelo que fazem, estudiosos, te fazem aprender de forma amorosa e lucida. Da região de Marche revi, a Gruta de Franzassi, a florida Spello, Spoleto, Assis (onde se sente ali a presença de Santa Clara e São Francisco de Assis), Gubio e a história de Francisco e o lobo. Macerata e o Sferisferio, onde pensei que nessa volta conseguiria ouvir uma opera, mas cheguei muito antes da temporada. Firenze a bela cidade da arte renascentista, dessa vez consegui entrar no Domu, ir na Academia de arte, ver original do Davi.
                O terremoto no início do ano com epicentro no monte Sibili, não permitiu o retorno a Norcia, e Caltelmucio, mas ensinou a força desse povo.
                As duas últimas semanas passei em Roma, vi o Papa duas vezes, ouvi uma missa toda em latim com cantos gregorianos, vi a Pieta. Na Capela Cistina, literalmente voei, lindo demais, Michelangelo foi um gênio, a tridimensionalidade de sua obra, nos insere e nos transporta. Cada rua tem um pouco da história, o perfume dos jasmim poeta,  o vento do deserto, me fez sentir que tinha 12 anos, e ouvir minha professora do ginásio contanto o percursos dos romanos na conquista pelo mundo. O Coliseu e seus corredores, as cenas de leões devorando pessoas, para mim elas estavam ali postas, vivas ainda.
                As fontes, a Fontana de Trevi, essa que me embriaga, que me dá vontade de jogar-me e sair nadando, ou de ficar ali simplesmente boiando naquelas aguas límpidas. Muitos turistas já o fizeram, multa de 400 euros.  Sonhar de ir a Fontana e não ter ninguém pelas ruas, pois Roma é uma cidade onde milhares de pessoas por lá passam, nunca se esta sozinho, sempre se disputa um lugarzinho ao sol. Ruas com músicas, clássica, popular, com apresentações teatrais.
                Por setenta dias, todas as manhas eu estava em sala de aula. Chegar, retomar a rotina, refazer projetos, inserir-se.
Porto Alegre, 17/07/2017





terça-feira, 11 de julho de 2017

                                                     

 O barba azul – leitura provocativa

                                                                                         Magaly Andriotti Fernandes

Estou relendo esse conto, essa lenda sobre o barba azul. Ele um homem forte, belo, rico, possuía uma casa com conforto, beleza e muita riqueza. Possuía cavalos, propriedades, tudo o que uma mulher poderia imaginar e mais um pouco. Sua barba azul fazia com que as pessoas o estranhassem. Que pensassem que algo não estava bem. Ele morava próximo a uma senhora viúva  que dentre seus filhos tinha três mulheres. Nenhuma queria desposa-lo pois o achavam estranho. Um dia ele resolver dar uma grande festa, festa de uma semana inteira, convidando toda a região onde morava. A semana foi de muita comilança, danças e alegria. A irmã menor passou a achar que a barba azul não era assim tão estranha, e a ver atrativos naquele homem. Casou-se com ele então.  Ele saiu a viajar e lhe entregou todas as chaves da casa e dize: “você pode se divertir a vontade, pode convidar família e amigos. Pode abrir todas as portas, todas, menos a porta da chave pequena”. Essa você não pode abrir nunca. E saiu a viajar. Ela logo chamou sua família e amigos. Suas irmãs, assim como ela curiosas, abriram todas as portas, comeram e beberam, dançaram, festejaram, e por fim abriram a porta da chave pequena. E para horror de todas, lá dentro um ambiente obscuro, encontravam-se ossos femininos, sangue, muito sangue. Fecharam a porta, e a chave continuava a sangrar. Ela tentou limpar em seu vestido, que ficou tudo sujo de sangue, colocou no bolso e ela continuou a sangrar. Limpou com cinzas, com carvão, com barro, nada nada a fazia parar. O marido chegou para seu pavor. E pediu pelas chaves. Ela escondeu a chave numa gaveta. O marido sentiu falta da chave. Ela mentiu, ele achou a chave e dizer: “agora terei que matá-la como as outras.” Ela pediu um tempo para rezar e encomendar sua alma. Ele permitiu. Ela correu para junto das irmãs e perguntou se seus irmãos estavam vindo. Quando eles estavam vindo retornou para perto do marido. Os irmãos chegaram e mataram o barba azul, e o picaram, jogando-os aos corvos.
                Uma história densa, pesada, que fala das sombras da alma feminina. Fala do arquétipo do predador que existe dentro de todas nos. Ela fala desse desejo de ter poder e riqueza sem nada fazer além da sedução. Ela fala da forma como não aceitamos as diferenças. Como ao diferente atribuímos o pior de nós mesmos. O que é mesmo essa barba azul? Sinal uma diferença marcante. Na história, não está escrito o desejo não pela pessoa, mas pela propriedade, pela riqueza do homem. Quantas mulheres, por quantos séculos foram educadas para casar em busca de estabilidade, de poder, de status social, de riqueza material. Por muitos anos as mulheres não podiam frequentar escolas. Eram mantidas na ignorancia.
                E essa chave, chave pequena, no meio das outras. O que a faz tão atrativa. Que curiosidade é essa? Usei essas duas profissões pois as que estão mais no meu cotidiano, mas pode ser qualquer uma outra. As mulheres na idade média foram queimadas, como bruxas, porque sua curiosidade as levou a saber que os homens, os cientistas da época não acessavam. A curiosidade, faz com que qualquer pessoa busque. Quando essa curiosidade pode ser mortal?
Quando ela não tem ética, como aquela de medicas, psicólogas, etc. que escutam para satisfazer sua curiosidade, para satisfazer seu próprio ego. Descobrir implica em ter tido a curiosidade, porem temos que suportar o peso do descoberto. A responsabilidade sobre aquilo que descobrimos. O eu assassino do barba azul no conto, onde está em nós? Que parte matamos em nos mesmas, que partes deixamos lá escondidas numa pequena portinha.
Esse arquétipo do predador, do que que destrói, do que não permite a curiosidade, do que não permite a descoberta. Que jogo é esse de sedução que vem matando mulheres, literalmente. Esse conto/lenda, se faz presente as vezes literalmente na vida das pessoas, em casos de espancamentos, homens que matam mulheres. Ou se fazem presentes, deixando mulheres embotadas, que tem medo de conhecer, de ver, de sentir, de ir em busca. O predador dentro de nos faz pensar que somos fracas diante da força masculina. Na história tem algo muito rico a estratégia que ela usou para fazer frente a morte, pediu para orar e foi buscar as irmãs. O encontro com o grupo de iguais, a força desse encontro. A presença masculina dos irmãos, e eles que matam o monstro. Precisamos dos outros para viver, dos homens e das mulheres.
O que será que existem dentro de cada uma de nós, que lado sombrio é esse? O que colocamos na portinha e fechamos?  Quantos anos ainda vamos precisar para assumir que somos capazes de construir palácios e riquezas se é isso que queremos?  Quantos anos vamos levar para aceitar nossas riquezas pessoais? Que nossa força e diferente da masculina sem projetar neles nossa agressividade?
                E os corvos encerram a história comendo os restos mortais do Barba Azul. A natureza é tão sabia que sempre tem alguém para ficar com o resto.

Porto Alegre, 11 julho 207.

Histórias que Pintam:  "As cinco direções de um corpo" é o novo livro e...

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