sexta-feira, 10 de março de 2017

                                            



                                              A   maternidade (1)
                                                             Magaly Andriotti Fernandes
No ritual de final do ano, no tarô das deusas tirei a carta da maternidade. Meus filhos já são adultos, já constituíram família, já sou avó, o que essa carta está me fazendo refletir pensei.
Já há alguns anos desde que meus filhos foram para a vida fora do lar que tenho tentado sustentar a tese de que mãe tem limites. Que mãe não e para a toda vida. Não por eles, que sempre foram muito autônomos. Agora eu, pareço uma permanente pata choca.
Então tem algo dessa função que eu preciso ainda aprender, me despedir quem sabe?
Eu sou uma pessoa quase sempre do contra. Na adolescência quando a maioria da minha amigas sonhava em casar e ter filhos. Eu levantava a tese de que esse mundo era caótico demais para se ter filhos. Que era um ato de irresponsabilidade trazer um novo ser a esse mundo.
Achei minha alma gêmea e com ela passei a ter sonhos, e dentre eles o de ter nossa família.  E para nosso grande espanto, pois não tinham muitos gêmeos na família que se soubesse, fiquei gravida de gêmeos.  Uma revolução em nossas vidas de sonhadores. Minha onipotência nessa época era algo do tamanho de uma montanha talvez. Eu trabalhava, fazia duas faculdades e ai a maternidade.
Com os filhos passamos ai mais concretamente tentar mudar o mundo. Sem filho já estava complicado e agora com dois ao mesmo tempo foi um grande desafio.  Penso que sim mudamos nos enquanto casal, enquanto pessoas; crescemos muito. Alguns sonhos aos poucos fomos abandonando pelo caminho, construindo outros. Vou me deter só na maternidade, como se fosse possível. Só fui a mãe que eu fui porque o pai de meus filhos esteve ali cotidianamente comigo, conosco nessa construção.
Fui uma mãe muito possessiva. Eu era uma leoa com suas crias. Quando o pai estava por perto tudo era mais fácil, podia relaxar, caso contrário, não tocassem em meus filhos.
Eu queria que eles nascessem em casa, mas sendo gêmeos meu obstetra não aceitou, mas nasceram de forma humanizada. Fizemos o curso de preparação para o parto normal.  O parto em si, por ele eu teria muitos e muitos filhos, momento muito intenso e emocionante. Eu que sou um poço de controle, não me dei conta que seriam dois partos. Dois filhos, dois partos. Não sabia que sofria de uma doença que meu útero depois de expulsar a criança não voltava a contrair. Tive que induzir o segundo parto, o que por muitos anos não me perdoei. Até que finalmente entendi que foi o melhor. Ai um dos primeiros limites na maternidade, e as marcas do mundo se fazendo presentes.
E depois a cada fase, a cada momento do crescimento de meus filhos foi um constante aprendizado. Até hoje, agora aposentada, fico me interrogando porque a sociedade não permite que possamos ficar com nossos filhos até os dois, três anos sem trabalhar, que eles possam ir para a escola já quando estão querendo se socializar, brincar com outros. Eu agora tenho todo tempo do mundo só para mim. Tranquilamente poderia me aposentar mais tarde e ter ficado mais tempo com eles. Fiquei o máximo que pude, me exonerei de um cargo público. Mas a cobrança social e grande. E só a presença materna sem as condições financeiras, sociais, econômicas e culturais não resolve. Então ser mãe requer, implica a nossa inserção social. Vejo mães alucinadas, que não se dão conta que a vida é uma permanente relação.
Eu sou muito grata a minha mãe, que sempre esteve comigo. Eu era uma filha ingrata, deixei meus filhos na creche por um período. Ela não entendia muito, achava que eu era uma bruxa. Sempre firme, fizesse eu o que fizesse, ela não me abandonava, ali firme e forte. Nos duas eu pensava éramos muito diferentes. Hummm diferentes...  nem tanto, hoje olho para trás e me percebo em muitas coisas muito parecida com ela. Consegui educar meus filhos sem tantas surras quantas apanhei. Eles levaram sim algumas palmadas, fiz algumas intervenções mais duras que doeram em mim. Hoje consigo ver outras possibilidades, mas naquela época não, os recursos emocionais que contava, eram aqueles.
Ser psicóloga, penso que muito me ajudou na maternidade. Eu lia muito, e no trabalho optei pelo trabalho clinico com grupo de familiares. No decorrer da minha carreira sempre lutei para que as mulheres que assim o quisessem pudessem realizar sua maternidade da melhor forma. Com esse tema da maternidade no cárcere, fui agraciada com duas viagens para conhecer o sistemas prisionais na Costa Rica, na América Central e na Suécia, Holanda e Dinamarca. Minha maternidade me levou longe…posso dizer. Ou as minha ideias sobre a maternidade.
Agora que muitas vezes escuto meus filhos, tem períodos de seus desenvolvimentos que fico pensando, gente como eu era louca. Como eu deixei eles aqui ou ali; com esta ou aquela pessoa, numa busca incessante pelo novo. E como eu errei.
Ser mãe é ter que rever, reviver conflitos que estavam lá o fundinho da nossa psique, guardados, quietos. Não tem jeito eles vem à tona.  E o bom, que vamos recriando outras formas de vivencia-los, ou não. Eu penso que muitos consegui inovar.  É um processo constante.

Porto Alegre 10 março 2017.

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