quarta-feira, 8 de novembro de 2017

                                                          Eu e as árvores
                                                                                                                                         Magaly Andriotti Fernandes
Hoje tomando meu café matinal como de costume, na cozinha e em pé, sempre abro a janela e observo como esta tempo, sol, chuva, nuvens; frio, calor. Hoje nublado e fresco. Primavera, mas um típico dia de outono. Aliás esse ano fugi do inverno indo para Itália e agora só me resta o outono. Dei-me conta que daqui onde moro, vejo as arvores de cima. Diferente de quando era menina, saia correndo pela manhã e me emprenhava no mato vizinho a nossa casa, e ficava a brincar nas raízes das paineiras. Paineiras enormes, com troncos largos, onde muitos pássaros viviam e eu podia os observar. Ficava ali, me sentindo protegida embaixo das arvores. Ali fazia meu mundo, e viajava.
Agora isso, quase quarenta anos moro aqui, e apenas hoje me dei conta que estou acima das árvores. Ainda observo os pássaros, mas só enquanto estão no voo. Quando pousam ,a copa das arvores, não me permite vê-los. A cada estação do ano, a coloração e bem diferente. Agora tempos o lilás, o amarelo e o verde. No outono mesmo, as arvores ficam marrom, douradas e ou avermelhadas. No inverno, muitos galhos, poucas folhas, verde mais escuro. No verão assim como na primavera muitas flores. No verão abrem as Flamboyas, lindas, um tapete vermelho. E sou abençoada, existem três pés na minha rua.
Fico, pensando cresci, bobagem, tenho só um metro e meio, não muito diferente de quando era menina. A questão é que vim morar aqui no alto, no nono andar. Essa visão de cima da vida. Posso observar as pessoas saindo para o trabalho. As pessoas indo caminhar, passear. Escuto risadas, choros, gritos, dependendo do movimento e das intenções das mesmas. Estou estrategicamente posicionada, pois não me veem e eu as vejo. Vejo silenciosa e reflexiva. Minha curiosidade nunca foi de exposição ou de fofoca. A vida humana sempre me fez pensar nas suas causas e consequências. Sempre me impliquei no que vejo.
Outro dia vi um assalto, logo liguei para a polícia, me identifiquei, descrevi, e aguardei que eles chegassem. Assim com brigas, agora não mais tão frequente, mas havia um período que vizinhos desciam para brigar no pátio. Já precisei internar uma das vizinhas que estava em franco surto psicótico. Eu internar não, orientar a família de como faze-lo e ajudar no processo.

Estou na realidade com essa sensação estranha de estar sobre as arvores. E não estar subida nelas que é meu lugar preferido, mas acima delas. São lindas, tem Ipês, tem Araucárias, tem Coqueiros, tem Flamboyas, tem outras que não sei o nome. Uma flora vasta nessa rua. As copas são amplas, fechadas e compactas. Daqui de cima é lindo e seguro. Lá de baixo a noite, sem muita iluminação, numa cidade onde as desigualdades são tantas, fica tudo inseguro. Estou me sentindo uma sentinela no castelo.

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