quinta-feira, 7 de abril de 2016

A PRAÇA E O INICIO DE UMA VIDA

                No início da Rua Marechal Floriano, existia uma loja chamada Modas Princesas, e na Gen. Genuíno tinha uma confeitaria chamada Popular. Na primeira minha mãe trabalhava como costureira, e na segunda meu pai como confeiteiro. Ele amava ternos de linho, e ao meio dia, hora de seu intervalo, todo prosa, vestido de linho branco ficava na praça, por onde minha mãe com então seus 16 anos passava. Seus olhares se cruzaram e logo namoraram. Naquele tempo não tinha essa de namoro logo. E logo casaram.
                Sempre que passo por ali imagino os dois, mesmo que naquela época ainda não existisse nem em sonhos quem sabe. Os vejo ele com seus olhos lindos verdes, seu bigode e sua elegância. Minha mãe magra, de saia rodada. Ela não gostava de pintura, mas era bela ao natural, cabelos encrespados, como era a moda. Sentados conversando, quem sabe arriscando um beijo, ou talvez não minha mãe era muito recatada, e apesar de falante era tímido. E me pergunto o que será que produziu esse amor? Ele era nove anos mais velho que ela. Ele de Santa Catarina ela da Barra do Ribeiro.
                Meu pai um galanteador logo a fez suspirar de amor, porem durante quase toda a vida do casal poucos momentos os tenha visto de mãos dadas, trocando um beijo ou caricias. Eram um casal muito discretos, de pouca fala, pouca discussão. Ela era muito apaixonada por ele, ele as vezes não demonstrava isso, parecia um homem do mundo, mas no fundo não, era seu jeito de ser apenas. Nos últimos cinco ano de suas vidas ai sim reacendeu a chama do amor, quando chegávamos lá (na nossa antiga casa) estavam os dois em altos papos, tomando chimarrão como dois pombinhos. Desde que meu pai ficou na UTI, mexeu com os seus afetos.  Nos três, somos três irmãos, já não morávamos mais com eles a muito tempo. A mãe depois que saiu das modas Princesas, sempre trabalhou em casa como costureira, e ele trabalhava ainda pelas manhas na confeitaria que tinha com minha irmã. Ela se foi, assim não mais que de repente, como uma vela que se apaga. Teve um enfarte fulminante. Aliás quando mais conseguiu trabalhar, morreu. Aliás após a morte da mãe ele morreu um pouco.
                Mas voltando para a praça, ali tenho um sentimento de pertença, de início, de recomeço, de encanto e encantamento.  Passo muito pela praça, pois a confeitaria de minha irmã, fica próxima, mas nunca parei para lá me sentar, respirar fundo e deixar que essa memória filogenética volte.  Hoje a praça faz parte do roteiro dos Caminhos do Centro Histórico, tem dias da semana que ali ficam os antiquários a expor.  Tenho vontade de ali colocar as cinzas dos dois, pois imagina que ainda vivem por ali, passeando de mãos dadas, sentados nos bancos fazendo juras de amor. Mas isso e um outro capitulo.  
                Interessante que minha mãe contou essa história pouquíssimas vezes, mas me marcou de tal forma. Ainda quando pequena lembro de visitar meu pai na Confeitaria Popular, mas não tenho claro que ela ainda fosse ali na Genuíno. As vezes confundo com a Pacola, que ficava na Otavio Rocha e na qual ele também trabalhou. Aquele e um espaço da cidade que para mim ficou marcado com a possibilidade do amor, do romance. Passo por ali de forma segura, me sinto acolhida. Minha mãe e meu pai tinham muitos relatos de bons momentos vividos com amigos do trabalho naquele local, uma outra Porto Alegre.
Porto Alegre, 8 abril 2016

MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES

9 comentários:

  1. Que máximo!...Seus relatos emocionam pela sinceridade dos fatos tão simples e marcantes na sua vida!...Parabéns!

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  2. Lendo teu texto reafirmo minha gratidão em viver de perto tua história de vida, fazendo parte de teu círculo há 12 anos, ter tido o privilégio de conhecer teus pais, bisavós de nossas netas.

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    1. A minha tambem e uma grande honra te-la na minha familia, partilhando nossas vovozizes. grande beijo

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  3. Respostas
    1. Sim Ines, aos poucos fui vendo que os dois eram muito enamorados. E que seus passados muitas vezes não permitissem que eles demonstassem isso um para o outro e para o grupo familiar.

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    2. Sim Ines, aos poucos fui vendo que os dois eram muito enamorados. E que seus passados muitas vezes não permitissem que eles demonstassem isso um para o outro e para o grupo familiar.

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