sexta-feira, 8 de abril de 2016

CARTA ENTRE AMIGAS
      No ano de 2012, no mês de junho, iniciamos entre amigas de Porto Alegre e do Rio de Janeiro a proposta de nos escrevermos cartas com temas estabelecidos. Essa foi a minha sobre medo e coragem:
      Bem gurias, penso que posso chama-las assim? Aqui no sul gurias, substitui o amigas, garotas, mulheres, medo e coragem, ula la la.  O primeiro medo que me vem à cabeça, e o do velho da saco, minha mãe tinha por habito nos assustar com o velho do saco. Na rua diante de um morador de rua, ela o nomeava como velho do saco. Esse era um medo terrorífico, mas fui salva pela famosa dupla do Pedro e Paulo, ou seja como eram chamados os soldados da Brigada Militar, que faziam a ronda ostensiva pelas ruas. Quando os via me sentia segura e podia transitar pelo bairro sem medo.
      Lembro da primeira vez que fui a aula de inglês sozinha, no centro de Porto Alegre, tinha apenas 11 anos, me enchi de coragem, mas morrendo de medo. Pegar o ônibus, descer na Salgado Filho, descer a Marechal Floriano.
      No ensino médio, eu estudei no turno da noite, e quando retornava para casa, nem sempre a mãe me buscava na parada, eu descia e saia correndo, três a quatro quadras que me levam para casa. O medo, não era de assaltos, de agressão de pessoas vivas, mas sim de vampiros, a luz da rua era amarelada, e fazia muitas sombras. Meu pescoço chegava em casa dolorido de tanto contrai-lo
      Meu primeiro dia de estágio de psicologia organizacional numa prisão de alta segurança, onde tive atendia um grupo de presos trabalhadores, la no fundo da galeria, naquele tempo, os servidores entravam nas galerias dos presídios do Estado. Quando la cheguei com o meu supervisor, aqueles homens como num filme italiano, feios, sujos e malvados, o medo foi grande. Porem aos poucos com a técnica, e com a escuta, e integrado com os seguranças da casa prisional fui podendo realizar o meu trabalho.
      Já aos 48 anos, numa viagem de trabalho  no aeroporto de Amsterdã sozinha, minha mala foi perdida. Que horror, ai o medo virou pavor. Mas um gaúcho apareceu para me salvar e ajudar-me na comunicação com aquela sueca, holandesa, sei lá a nacionalidade daquela moça. Meu inglês péssimo, putz. E quando sai dali e não encontrei quem viria me buscar, o coração era só batimento, parecia que ia saltar fora da boca. Quando vi a placa com o meu nome, me botei a beijar e abraçar a pessoa, que ficou apavorada. Essa é uma atitude bem latina. Por pouco não me processou por assedio.
      Outro dia na cidade de Lund, nesse mesmo mês, fiquei tempo demais no banho e perdi o grupo que saia para a janta. Respirei fundo e fui a um restaurante italiano, que era onde eu me garantia para fazer o pedido sozinha. Sai e fui a passo unas cinco quadras. Pasmem, pedi uma cerveja e aprendi que elas tem teor alcoólico diferentes, uma cerveja com 40% de teor alcoólico, a qual só constatei após sofrer os efeitos, voltei feliz e sorridente. As sombras das ruas me faziam pensar num filme bem antigo " O vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang, mas ao contrário do medo me senti poderosa e feliz pois nessa época já tinha sofrido um processo de análise pessoal e havia espantado a maioria dos meus fantasmas, e meus medo agora eram de pessoas, segui firme até o hotel.
      Bem gurias, penso que a coragem vem do enfrentamento do medo, do autoconhecimento e do permitir-se viver. E que o medo desde que não nos paralise faz parte do cotidiano. Já na expectativa do novo tema.
MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES
PORTO ALEGRE 16 JUNHO 2012


                 

Um comentário:

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