quinta-feira, 28 de abril de 2016

                                                              
                                                      A rua da minha infância


                Sou avó de um menino e duas meninas e mãe de dois homens.  Quando menina sempre brinquei muito na rua.  Aliás meu lugar até os onze anos era a rua. Brincava de boneca, jogava bola, bolas de gude, colecionava carteira de cigarro, jogava amarelinha, pulava corda. E adorava pegar girinos, sapos mesmo e observa-los. Assim como os pássaros. Hoje observo meus netos que ficam muito tempo dentro de casa, e me entristeço. Observo que os prédios não pensam nas diferentes faixas etárias, que as ruas das cidades não pensam que por elas passam crianças, púberes e adolescentes.
                E as festas que aconteciam na minha rua, ula lá! Festa junina com direito a fogueira, pipoca, brincadeiras, danças com todos os moradores da rua.  Cada vizinho fazia um prato, todos construíam a fogueira, organizavam o espaço comum para a festa, bandeirinhas.
                Em Porto Alegre, há mais ou menos quarenta, cinquenta anos atrás, os terrenos eram quase sítios, as pessoas tinham hortas e pomares. E imaginem vocês que eu, furtava. Sim furtava dos vizinhos, eu e um grupo de crianças, íamos pegar bergamota, uva no pátio dos vizinhos. Eu inclusive furtava jabuticaba no pátio do presidio feminino. Lembro até hoje do sabor de cheiro dessa frutinha, hummm.  O guarda me pegava pela mão e entregava para minha mãe. Eu como era a menor do grupo subia nas arvores para colher as frutas, quando viam o guarda, meus amigos saiam correndo e eu lá ficava. E não dava outra, ia direto para o castigo.
                Brincar de caçador, de cabra cega... ficar até tarde com o grupo de amigos contanto histórias de terror, lobisomem, bruxas. O problema depois era ir para casa sozinha.  A TV chegou eu já estava com uns nove anos, mas tinha horário para se assistir, não se podia assim como hoje assistir a toda hora, e nem os programas infantis estavam à disposição assim e a rua como deixa-la, não tinha como. Escuto até hoje o chamado dos amigos lá de fora, nostalgia.
                Subir nas arvores, esperar as pessoas passarem e jogar cinamomo, sementes de cinamomo. Fazer das raízes das arvores casinha. Usar as arvores para esconder-se dos demais. Sim a rua era arborizada.
                A saída da escola, a corrida para a casa, vinha sozinha, corria e caia. Tinha uma verruga no joelho que sangrava, e novas verrugas nasciam. Uma corrida de temor e liberdade ao mesmo tempo. A rua cheia de mistérios. Ah sim a segurança que o Pedro e o Paulo garantiam, diante do velho do saco!  Isso não tinha preço, era olhar aqueles dois guardas que apontavam na calcada e a tranquilidade retornava, o coração compassava.
                A rua era muito atrativa, a rua era segura, a rua era um espaço de encontro e de troca. Um espaço de convívio das crianças de diversas idades.
                Já com os meus filhos a circulação de crianças na rua, ficou reduzida, e hoje muito menos ainda. Meus netos vão a rua sempre acompanhados de adultos. Minhas netas que agora indo residir no interior do Estado vizinho, estão podendo resgatar o gosto da liberdade de estar sozinhas na rua.
                E a mim resta, as memorias e a firmeza deixadas por esses bons momentos vividos, a saudade da minha rua querida, dos amigos ali feitos. E aos meus netos quiçá uma rua virtual, um novo caminho e um novo percurso se faz.
Porto Alegre, 04 abril 2016.

MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES

Um comentário:

  1. Espetacular!...Ah, se as ruas fossem iguais ao passado!...Quantas lembranças boas...

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