segunda-feira, 4 de abril de 2016

Um beija flor canta para mim 
Todo dia pela manhã, na parada de ônibus, fico ali ouvindo um beija flor, parado no fio, ele canta. Primeiro nunca tinha escutado o canto do beija flor, e nunca o tinha visto parado. Os beija-flores para mim eram pássaros ágeis, rápidos e sempre bicando flores. Ele está lá, dia após dia, e sempre no mesmo horário. Mesmo horário, penso que não é bem assim, pois tem dias que saio meia hora antes, meia hora depois, e ele lá no fio. Canta para mim?
Falei para o meu neto de 9 anos sobre isso. Ele dize: vó vai ver ele está morto? Sorri, e expliquei que não que ele tem movimento, tem som, e tem uma sequência de ação. Ele canta um tempo no fio da luz, olha para um lado, olha para o outro e voa em direção a uma arvore no pátio do edifício onde moro.
Esperar o ônibus e algo que muito me angustia, a demora, a perda de tempo. Ouvir o beija flor, me acalma, me resigna. Espero esse ônibus especificamente também, pois gosto de pela manhã ver o rio. Ele tem um percurso mais longo para o trabalho, mas me permite ver arvores, e particularmente o rio. Rio Guaíba, em dias mais calmos, em dias mais cheio, suas aguas ora limpas ora não turvas. Ir para o trabalho tendo a visão do rio, me energiza. Trabalho na prisão, ouvindo mulheres que em determinados momentos de sua vida cometeram crimes. Escuta cotidiana, criativa e dinâmica. Estar ali representa uma porta, uma passagem, uma ou mais possibilidade dessas mulheres e com elas eu também me resignificar
Nesse espetáculo matinal, não só o beija flor está presente. Existe um casal de João de barro que cantam e dançam. Eles estão construindo sua casinha- ninho em cima de um poste em frente a parada. Isso já vem há mais de seis meses. Ele ou ela não saberia precisar, canta lá no alto quando está só, abre as asas e roda. Eu imagino que ele chama por ela, ou vice e versa. Demora mas logo ele ou ela chega, cantam um para outro, o dialogo se estabelece, o barro e colocado no ninho, e esse vem crescendo. Dias de chuva não os vejo por ali.  Não os vejo porque não estão? Não os vejo porque a chuva me deixa introspectiva? Não os vejo porque a sombrinha faz uma barreira?  O ninho cresce.
Eu não gosto de esperar o ônibus, que demora muito. Gosto dessa sinfonia matinal, ora do beija flor, ora do Joao de barro, ora do sabia, e atualmente das caturritas. Caturritas essas que invadiram a cidade, que fazem seus ninhos em arvores altas, que buscam alimentos, grãos, frutinhas, disputando com os demais pássaros que já andavam por aqui. Não tenho visto pardais e nem pombos.
MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES
Porto alegre 20 setembro 2014



Um comentário:

  1. Muito lindo e significativo esse texto. Foi um privilégio teu diálogo com a natureza, árvores, pássaros e o rio, em tempos de trabalho árduo.

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