Um beija flor canta para mim
Todo dia pela manhã,
na parada de ônibus, fico ali ouvindo um beija flor, parado no fio, ele canta.
Primeiro nunca tinha escutado o canto do beija flor, e nunca o tinha visto
parado. Os beija-flores para mim eram pássaros ágeis, rápidos e sempre bicando
flores. Ele está lá, dia após dia, e sempre no mesmo horário. Mesmo horário,
penso que não é bem assim, pois tem dias que saio meia hora antes, meia hora
depois, e ele lá no fio. Canta para mim?
Falei para o
meu neto de 9 anos sobre isso. Ele dize: vó vai ver ele está morto? Sorri, e
expliquei que não que ele tem movimento, tem som, e tem uma sequência de ação.
Ele canta um tempo no fio da luz, olha para um lado, olha para o outro e voa em
direção a uma arvore no pátio do edifício onde moro.
Esperar o
ônibus e algo que muito me angustia, a demora, a perda de tempo. Ouvir o beija
flor, me acalma, me resigna. Espero esse ônibus especificamente também, pois
gosto de pela manhã ver o rio. Ele tem um percurso mais longo para o trabalho,
mas me permite ver arvores, e particularmente o rio. Rio Guaíba, em dias mais
calmos, em dias mais cheio, suas aguas ora limpas ora não turvas. Ir para o
trabalho tendo a visão do rio, me energiza. Trabalho na prisão, ouvindo
mulheres que em determinados momentos de sua vida cometeram crimes. Escuta
cotidiana, criativa e dinâmica. Estar ali representa uma porta, uma passagem,
uma ou mais possibilidade dessas mulheres e com elas eu também me resignificar
Nesse
espetáculo matinal, não só o beija flor está presente. Existe um casal de João
de barro que cantam e dançam. Eles estão construindo sua casinha- ninho em cima
de um poste em frente a parada. Isso já vem há mais de seis meses. Ele ou ela
não saberia precisar, canta lá no alto quando está só, abre as asas e roda. Eu
imagino que ele chama por ela, ou vice e versa. Demora mas logo ele ou ela
chega, cantam um para outro, o dialogo se estabelece, o barro e colocado no
ninho, e esse vem crescendo. Dias de chuva não os vejo por ali. Não os vejo porque não estão? Não os vejo
porque a chuva me deixa introspectiva? Não os vejo porque a sombrinha faz uma
barreira? O ninho cresce.
Eu não gosto
de esperar o ônibus, que demora muito. Gosto dessa sinfonia matinal, ora do
beija flor, ora do Joao de barro, ora do sabia, e atualmente das caturritas. Caturritas
essas que invadiram a cidade, que fazem seus ninhos em arvores altas, que
buscam alimentos, grãos, frutinhas, disputando com os demais pássaros que já
andavam por aqui. Não tenho visto pardais e nem pombos.
MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES
Porto alegre
20 setembro 2014
Muito lindo e significativo esse texto. Foi um privilégio teu diálogo com a natureza, árvores, pássaros e o rio, em tempos de trabalho árduo.
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