segunda-feira, 2 de maio de 2016




                                           

                                                       A Escola e a Prisão


                           Hoje resolvi escrever sobre a avenida Teresópolis, rua principal do bairro em que vivi meus anos de infância. E olha o que descobri: quando nasci, o bairro ainda não se chamava assim, que só no mês de dezembro passou a ter esse nome. Eu nasci em setembro. E o que mais me agradou, que os primeiros moradores foram italiano. Eu em busca de minhas origens e uma parte delas e italiana, fiquei feliz. Meu avô, um agricultor na cidade, me ensinou o gosto pelo plantio, pelas hortas e pomares. O gosto pelo cheiro da terra, por mexer na terra, por plantar e colher. E ali tinha muita plantação de uvas, bergamotas. E como me lembro, do cheiro, do sabor das frutas colhidas direto do pé. Nosso pátio era pequeno, mas era todo plantado. E naquela época ainda se podia criar em casa galinhas e porcos, o que fazíamos.
                         E descobri também que em primeiro de março de 1917, as irmãs de São Jose assumiram a direção da Escola Paroquial do bairro Teresópolis, em Porto Alegre, fundada por Monsenhor André Pedro Frank, por ordem do Arcebispo Don João Becker. Em 1933 passa a se chamar oficialmente Colégio São Luís, onde eu e minha irmã mais velha estudamos. Eu fiz apenas o primário, ela o primário e o ginásio. Lembro que em 1967 eu por ser a menor aluna da escola tive a honra de entregar flores ao Arcebispo nos festejos dos cinquenta anos da escola. Ah sim a escola só estava ali onde está até hoje em 1957, antes sua sede era próximo a paroquia Nossa Senhora da Saúde. Aliás hoje não tem mais esse nome e não são mais as irmãs que o administram.
                     E o presidio feminino esse passou a existir em 1950 com o nome de Instituto Feminino de Correção, até 1970 quando ganhou o atual nome Penitenciaria Feminina Madre Pelletier. Nos anos iniciais era administrado como diversos presídios femininos da América Latina pelas irmãs da Concreção Bom Pastor. Quando pequena muitas vezes fui levada pela mão do guarda para casa pois roubava jabuticabas nas arvores no pátio do presidio. Almocei ali algumas vezes com uma amiguinha que o pai era agente de segurança, eu não lembro, mas minha mãe contava. Ela comprava pães, ovos de pascoa das apenadas, inclusive deu aulas de corte e costura para as mulheres presas e por muito tempo íamos na capela antes dela pegar fogo e não mais ser restaurada. E o mais incrível e que terminei meus anos de trabalho como psicóloga nessa penitenciaria. 
                         Para quem não conhece o bairro, a escola e a prisão são vizinhas, uma ao lado da outra. E pelo visto a prisão já estava ali quando a escola iniciou a funcionar.
                          Nunca imaginei que um dia trabalharia na prisão, e muito menos na prisão feminina, mas o destino quis e lá constitui o meu fazer. Quando pequena tenho lembranças de estar tomando banho no tanque, naquela época era comum se tomar banho no tanque, no verão, é claro. E quando menos se esperava, vinha uma mulher correndo de rolos na cabeça, os guardas com cães, pastores alemães atrás, e eu ali só de expectadora. Minha casa ficava atrás da Penitenciaria, numa rua que fazia divisa com o terreno. E não existiam muros altos como hoje existem.
                             Na escola nunca ouvíamos nada sobre o presidio, e não haviam ruídos, só aquela triste imagem, aquele triste prédio ao lado. Para ir para casa tinha que passar em frente ao presidio, o que fazia sem nenhum problema, ou temor. Ele estava ali em nosso cotidiano. Tanto que depois de muitos anos me habilitei a trabalhar com essa realidade.
Porto Alegre, 2 maio 2016.
Magaly Andriotti Fernandes

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