segunda-feira, 2 de maio de 2016


                  SAUDADES  DA   AVENIDA TERESOPOLIS  

              

                  Nasci e morei no bairro Teresópolis, até meus 18 anos. Meus pais e irmãos ali continuaram vivendo. Eu mudei para o bairro vizinho.
                Minha família veio do interior para a capital muito antes de eu nascer e se estabeleceram numa casa em rua paralela à avenida. Meu avô materno além de caixeiro viajante era chazeiro, ou seja colhia, plantava e vendia ervas medicinais. Caminhávamos muito pelo bairro, na busca de chás. O morro Apamecor, o da Agronomia, o de Teresópolis eram nosso campo de busca. Mas a avenida, essa tinha seus encantos.
                Minha mãe e suas irmãs, que eram quatro, e meus dois tios, tiveram ao todo onze filhos, e do mês de novembro até o natal todos vinham lá para casa em tempos diferentes. Era habito caminharmos pelas ruas passeando. Minha mãe e tias gostavam de roubar flores das casas: rosas, mudas de dália, temperos, folhagens. E nós as crianças corríamos pela rua, brincando de pega, pega, ou conversando simplesmente, subindo nos murros; bons tempos.
                Lembro das vezes que tive que ir na farmácia Suzana fazer vacina antitetânica, pois devo ter perfurado meu pé, pelo menos umas três vezes, com prego. Era uma espoleta, corria descalça, subia em arvores.  A casa ao lado era a do Dentista, esse também era um local que eu tive que enfrentar por diversas ocasiões. Vinha com a bochecha inchada, noites sem dormir de dor de dente, fistulas, mas o dentista era todo amoroso.
                O mercado na esquina da rua Carvalho de Freitas, onde para se comprar leite tinha que levar o tarro. Eu tinha um pequeno para as bonecas e o da mãe. O doce de leite era comprado a granel. E eu para o faze-lo terminei cometendo loucuras, vendi o diário, uma foto de minha irmã para o meu cunhado. Veja bem trocar o diário da irmã pelo famoso doce de leite - MUMU.
                O cinema Teresópolis ficava na avenida, e nos domingos, com os tios e primos íamos assistir os filmes de Mazzaropi, era uma bagunça total, jogávamos pipoca na cabeça dos outros, falávamos durante o filme. As cadeiras faziam ruídos, eram duras, desconfortáveis. Mas a festa era garantida.
                O bonde, durante a minha infância, ainda passava por ali. E era comum as pessoas se jogarem embaixo do bonde.  Seguido as crianças desciam correndo a lomba para ir ver o morto. Eu nunca tive coragem, mas ouvia os relatos, saia correndo e contava para mãe. Numa dessas vezes, quando cheguei gritando, uma freguesa da mãe desmaiou (ela era costureira). O esposo dela que tinha problemas mentais ficou esperando no carro, enquanto ela experimentava roupa, e quando ela ouviu a notícia pensou que ele tivesse se suicidado.
                O presidio já estava ali desde que me conheço por gente. Por períodos íamos comprar pão no presidio, chocolates feitos pelas mulheres presas. Havia uma capela que a comunidade também frequentava ali, até pegar fogo e não mais ser restaurada.
                As balas de coco do asilo da esquina. Penso que ali morava uma fada, pois só assim para descrever uma pessoa capaz de fazer balas tão delicisiosas. Quando as colocava na boca se desmanchavam. A senhora que as fazia tinha que ter alguma mágica.
                E a escola, onde fiz todo o primário, o Colégio São Luís. Lembro da irmã formigueira, assim chamávamos uma freirinha, pequena, que estava sempre abaixada cuidando do jardim. Da irmã Rosa Celeste minha amada professora da segunda série, e da agressiva freira do terceiro ano, que nem o nome recordo, nos deixava seguido sem a merenda, sem ir ao banheiro. Ali não só aprendi a ler mas como gostar de ler. Chama atenção que escola e presidio convivem lado a lado, anos a fio sem nenhuma intercorrência.
                Não podemos deixar de falar da praça em frente à igreja Nossa Senhora da Saúde, que foi um espaço de brincadeira, de troca das primeiras filosofias, de namoro. Sim porque naquele tempo era algo viável, sentar e namorar ali. Nessa igreja me batizaram.
                E falando um pouco dos moradores da avenida :havia uma família sui generis   de vinte e três filhos, onde o casal se chamava Maria e Jose, todos os filhos tinham dois nomes, os homens eram Jose alguma coisa e as mulheres Maria... A casa da professora de piano, a loja de armarinho do Jorge.
                Essa avenida acompanhou o meu desenvolvimento, a percorri desde meu momento do nascimento até a vida adulta. Meus últimos anos de trabalho foram na prisão feminina, ao lado da escola onde fui alfabetizada. Para acessar a casa da minha irmã e da minha única sobrinha preciso passar pela avenida até hoje. Essa avenida que hoje perdeu todos os encantos.

PORTO ALEGRE, 9 ABRIL 2016.
MAGALY ANDRIOTTI FERNANDES.         
               
               


                

Um comentário:

  1. Magaly: Muito interessante. Me proporcionastes uma viagem ao Teresópolis e à tua infância. Lindo demais!

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